
A duração média das músicas que lideram as paradas caiu cerca de 18% entre 1990 e 2024, passando de 4 minutos e 22 segundos para 3 minutos e 34 segundos. Ao mesmo tempo, o SoundCloud teve aumento de 14% nas reproduções em 2024, com crescimento expressivo em gêneros como Minimal/Deep Tech.
Duas tendências opostas que revelam algo: enquanto a música comercial encurta para caber no TikTok, uma parcela crescente de ouvintes migra para o extremo oposto, que são músicas mais longas, progressões lentas, poucos elementos.
Quando tudo é intenso, nada mais é
O EDM dos grandes festivais seguiu (e ainda segue) uma fórmula eficaz: tensão crescente, buildup dramático, drop explosivo. Cinematográfico. Viciante. Mas como qualquer estímulo repetido, o efeito diminui.
Quem frequenta festas há algum tempo sabe: chega um momento em que você percebe que todas seguem o mesmo roteiro. A décima vez que você ouve aquele buildup antes do drop, o corpo já antecipa. Não é que a música ficou ruim, é que o truque foi revelado.
O corpo procura outra intensidade
Talvez por isso, alguns gêneros como Afro House, Drum & Bass e Minimal/Deep Tech se tornaram protagonistas nos últimos anos. São estilos que funcionam por outros mecanismos: em vez de construir para um clímax único, criam estados prolongados: um groove que se mantém por 8, 10 minutos, com alterações tão sutis que você não percebe quando entrou no transe.
É uma experiência diferente. Não é sobre o soco no estômago do drop. É sobre permitir que a repetição te leve para outro lugar. Quando você para numa pista dessas e olha ao redor, percebe: ninguém está esperando o próximo momento épico. As pessoas estão dentro da música.
Resistência contra a fragmentação
Uma pesquisa aponta que o Brasil é o segundo país com maior tempo de tela: passamos, em média, nove horas por dia na frente delas. O tempo de atenção caiu de 2 minutos e meio em 2004 para apenas 47 segundos atualmente. Muitos, inclusive, já abandonaram esse texto que leva uns 3 minutos para ler. Notificações, múltiplas abas, scroll infinito, estamos treinados para consumir tudo em fragmentos acelerados.
A música eletrônica minimalista vai na contramão. Ela não pede sua atenção gritando; convida você a desacelerar. É música que precisa de tempo para revelar suas camadas, que funciona melhor quando você para de procurar o próximo estímulo. É quase um ato de resistência: escolher algo que não pode ser consumido em 15 segundos.
O mercado confirma
A música eletrônica movimentou US$12,9 bilhões em 2024, com crescimento de 6%. Mais significativo: estilos caracterizados por linhas melódicas emocionais e construções musicais orgânicas têm-se afirmado como tendência na música eletrônica. Profissionais do setor veem crescimento forte do minimal/deep na linha house.
Não é que o maximalismo enfraqueceu, ele continua lotando festivais. Mas há espaço crescente para outra coisa: um público que quer intensidade de outra natureza.
O que o corpo está pedindo
Você pode nem ter percebido conscientemente, mas talvez tenha sentido: aquele cansaço depois de uma festa onde tudo é alto e explosivo o tempo todo. Ou aquele momento num dia qualquer, fone no ouvido, quando você se pega ouvindo uma música com mais nuances inesperadas e percebe que está respirando mais devagar, que seus ombros relaxaram.
Talvez seja isso que esteja realmente acontecendo. Não uma rejeição ao maximalismo, mas o reconhecimento de que precisamos das duas coisas. A descarga de adrenalina e o transe meditativo. O drop que faz a multidão explodir e o groove que te carrega por horas sem você perceber.
Depois de anos sendo bombardeados por estímulos que competem pela nossa atenção em volume máximo, estamos finalmente dando ouvidos (de novo) ao que sempre esteve lá: o que não precisa gritar para ser sentido.

