
Muitas vezes, acreditamos que a perfeição é o objetivo final. Mas, na prática, é a imperfeição que conecta, emociona e dá autenticidade. E isso não vale só para a música eletrônica: vale para qualquer processo criativo.
Na minha caminhada como produtor de música eletrônica, já me vi preso nesse dilema. Passei horas revisando detalhes minúsculos, buscando a batida perfeita, o synth perfeito… e, no fim, em vez de evoluir, eu travava. Vinha frustração, insatisfação, aquela sensação de “não está bom o bastante”. Era uma forma de autossabotagem. E acredito que muita gente, mesmo fora da música, já viveu isso no trabalho, nos estudos ou em algum projeto pessoal.
Acontece que, muitas vezes, é justamente a falha que dá vida. E a história de Blue Monday, do New Order, prova isso.
O alcance da imperfeição
Em 1983, ao programar o sequenciador da faixa, Gillian Gilbert esqueceu uma nota no padrão melódico. O resultado foi uma linha ligeiramente dessincronizada com a batida. Tecnicamente, um erro. Mas, em vez de apagar, a banda manteve. Como descrito na Wikipedia: “Ela programou no lugar errado, então a melodia ficou dessincronizada com a batida; o ‘erro’ acabou sendo uma característica bem-vinda da música.”
O produtor Giles Martin resumiu perfeitamente: “O que amamos como humanos, o que reagimos em nossas almas, é a imperfeição.”
E foi justamente essa imperfeição que transformou Blue Monday em um clássico atemporal — o single em vinil de 12 polegadas mais vendido da história.
Esse tipo de “erro criativo” não ficou no passado. O duo francês Daft Punk construiu boa parte de sua identidade em cima de distorções, cortes abruptos e glitches que nasceram de limitações técnicas dos samples antigos. Em músicas como Da Funk e Around the World, o som não é limpo nem polido; ele é cru, cheio de pequenas imperfeições que acabaram se tornando assinatura.
Mais recentemente, artistas como Flume assumiram de vez essa estética do “erro intencional”. Ele já contou em entrevistas que adora pegar sons que “não encaixam” ou parecem distorcidos demais e transformá-los em identidade própria. Em Never Be Like You, por exemplo, os vocais e synths soam desajustados de propósito, quase quebrados — e é justamente essa sensação de imperfeição que traz emoção à faixa.
A originalidade do erro
No fundo, a mensagem é universal. Nem sempre o caminho perfeito é o melhor. Erros podem ser atalhos para a originalidade. Quando aceitamos as imperfeições, abrimos espaço para criar algo que tenha alma e autenticidade.
Na música, no trabalho ou na vida, deixar que o acaso tenha espaço pode ser o que nos aproxima das pessoas. Porque, no fim das contas, é isso que conecta: o humano, e não o perfeito.