A história da cultura LGBTQIA+ no Brasil é cheia de contrastes. Somos o país com a maior Parada do Orgulho do mundo, mas também um dos que mais mata pessoas LGBTQIA+. A teledramaturgia, a música, a política e até as redes sociais sempre refletiram essas contradições.
É por isso que hoje, no Dia do Orgulho, a ATL preparou uma linha do tempo queer na cultura pop brasileira para relembramos as conquistas e reforçar que ainda há muito por o que batalhar.
1970
- A novela Assim na Terra como no Céu (Globo) apresenta Rodolfo Augusto, interpretado por Ary Fontoura. É considerado o primeiro personagem gay da teledramaturgia brasileira, embora sua sexualidade nunca tenha sido mencionada diretamente.
- No mundo: o movimento de liberação gay ganhava força após a Rebelião de Stonewall (1969), nos EUA. No Brasil, a ditadura militar impunha censura e vigilância a qualquer representação dissidente.
- É por volta dessa época que a comunidade LGBTQIA+ se expressa por meio de grupos de música e teatro como forma de mostrar seu verdadeiro eu.
1978
- Surge o Grupo Somos, primeiro grupo ativista homossexual do Brasil, em São Paulo.
- Publicação do jornal Lampião da Esquina, que marcou a resistência LGBTQIA+ durante o regime militar.
- Na música, artistas como Ney Matogrosso desafiavam normas de gênero e comportamento com suas performances andróginas.
1980
- Rita Lee lança “Lança Perfume”, uma explosão de sensualidade, muitas vezes interpretada como um respiro queer na música pop.
- Apesar da censura ainda ativa, o rock brasileiro começa a incorporar códigos queer em sua estética.
1985
- Fim oficial da censura no Brasil com o fim da ditadura. Abertura democrática permite maior espaço para discussões de sexualidade e identidade de gênero.
- No mesmo ano, o Brasil retira a homossexualidade da lista de doenças do Ministério da Saúde, cinco anos antes da OMS fazer o mesmo.
- “Codinome Beija Flor” (1985), de Cazuza, fala de um amor entre dois homens, o nome do “muso” estaria contido na letra
1989
- Tieta apresenta a personagem Ninete, interpretada por Rogéria, uma das primeiras mulheres trans a aparecer com destaque em uma novela. Embora o termo “trans” não fosse usado, a presença dela foi um marco.
- No ano seguinte, em 1990, a OMS também retira a homossexualidade da lista de doenças.
1995
- “Malhação” estreia com um formato adolescente que aos poucos começa a abordar temas como HIV, bullying e sexualidade. A representatividade LGBTQIA+ ainda era tímida, mas o espaço jovem preparava terreno.
1998
- Torre de Babel provoca polêmica com o casal lésbico Leila (Christiane Torloni) e Rafaela (Silvia Pfeifer). Por rejeição do público, ambas são mortas em uma explosão. Esse episódio virou símbolo do "apagamento queer" nas novelas.
- No mundo: Ellen DeGeneres já havia se assumido como lésbica na TV americana um ano antes, em 1997.
2000
- É lançado “Devassos no Paraíso”, de João Silvério Trevisan, talvez o livro mais completo sobre a história da homossexualidade no Brasil
2005
- Estreia do programa Big Brother Brasil 5, com Jean Wyllys, que se assumiria gay mais tarde e se tornaria uma das figuras mais importantes da política LGBTQIA+ do país.
- Jean vence o BBB em 2005, quebrando estigmas e abrindo espaço para o debate sobre diversidade em horário nobre.
2008
- O personagem de Leonardo Miggiorin em Duas Caras (Afonsinho) é gay e afeminado, mais uma vez reforçando o arquétipo do humor como local exclusivo de personagens LGBTQIA+.
2011
- O STF reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. É a principal conquista jurídica até então.
- Na cultura pop, artistas como Pabllo Vittar surgem no cenário underground e LGBTQIA+ começa a ganhar protagonismo nas redes.
2013
- Amor à Vida revoluciona ao dar destaque ao personagem Félix (Mateus Solano), que começa como vilão e termina como mocinho gay. Seu beijo com Nico (Thiago Fragoso) é o primeiro beijo gay em horário nobre da Globo.
- O personagem também representa uma virada: não era apenas cômico, mas complexo e capaz de emocionar o público.
2014
- A novela Em Família traz o casal Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller). O beijo entre as duas personagens foi exibido no último capítulo, ainda sob resistência da emissora.
- Começa a era de artistas queer nas redes sociais e no YouTube, com nomes como Linn da Quebrada ganhando espaço com discursos sobre gênero e favela.
2017
- A Força do Querer aborda a transição de gênero de Ivan (Carol Duarte), personagem trans masculino. A novela é lembrada até hoje como uma das mais ousadas da Globo nesse tema.
- Silvero Pereira interpreta Elis Miranda, uma cantora travesti, e critica o apagamento de atrizes trans em papéis de mulheres trans.
2019
- O STF criminaliza a homofobia e a transfobia, equiparando essas práticas ao crime de racismo.
- Pabllo Vittar é a primeira drag queen a se apresentar no palco principal do Coachella. No Brasil, ela já havia se tornado um ícone pop com alcance internacional.
2021
- Linn da Quebrada protagoniza Segunda Chamada e se torna uma das poucas mulheres trans em papéis dramáticos de destaque na TV aberta.
- No mesmo ano, Gloria Groove estoura nas paradas com o hit Bonekinha e consolida a drag music como um gênero próprio.
2023
- A Globo exibe Vai na Fé e Terra e Paixão, com cenas de carinho entre casais LGBTQIA+. No entanto, demora para exibir beijos lésbicos.
- Ao mesmo tempo, o sucesso do casal Kelvin (Diego Martins) e Ramiro (Amaury Lorenzo) viraliza nas redes, mostrando que o público quer ver afeto queer nas tramas.
2024
- O filme Meu Nome é Gal celebra a história de Gal Costa, que durante a vida nunca assumiu publicamente sua orientação, mas foi símbolo de liberdade artística queer.
Apesar de todos os avanços, a representatividade LGBTQIA+ na cultura pop brasileira ainda é desigual. Gays cis brancos seguem sendo maioria nas tramas; pessoas trans, bissexuais, não-binárias e negras continuam à margem. Enquanto a legislação avança, o conservadorismo tenta impor retrocessos.
Mas também há resistência: nas telas, nas ruas e nas redes. E enquanto houver quem conte suas histórias, a cultura pop continuará sendo um espaço de disputa, afirmação e visibilidade.