Atlântida

Na expectativa pelo Oscar buscamos resenhar todos os filmes indicados para a maior premiação do cinema norte-americano.

AVISO: muito provavelmente haverá SPOILERS.

Boyhood

Alguns filmes transcendem suas histórias e roteiros e se tornam maiores do que a simples obra audiovisual que vamos ao cinema assistir.

Apocalypse Now é um excelente filme de guerra e uma grande adaptação do livro O Coração das Trevas mas é também um experimento em produção e direção, tendo consumido anos para ser realizado, com direito a destruição de set por tornado e ataque cardíaco do ator principal. A Bruxa de Blair não é apenas um filme de terror, mas um experimento de marketing minucioso que aproveitou aqueles anos sensíveis entre o início da internet comercial no mundo e a consolidação da internet comercial no mundo, um período inocente, em que nos permitíamos acreditar que aquele filme poderia sim ser real. Kids é um exemplo que me vem à cabeça, porque havia a lenda que todos os atores não eram atores, que o diretor simplesmente reuniu uma gurizada e disse “bora fazer um filme em que todo mundo ande de skate e transe“. (Mas dali saiu a Chloë Sevigny e sinceramente eu não consigo acreditar que seja verdade a história).

Boyhood entra nesse clube. O diretor Richard Linklater demorou 12 anos para fazer um filme. Usando os mesmos atores, ele contou a história de um garoto da infância (boyhood) à vida adulta (início da faculdade); sua família, seus amigos, namorada(s), pessoas a sua volta. Uma obra de paciência. Se Boyhood fosse um jogador de Fifa a barrinha de Stamina dele seria a mais forte do jogo todo.

Qual foi a última vez que você se dedicou 12 anos a alguma coisa?

Linklater chegou pro ator mirim e disse: “prepare-se, você vai ser o mesmo personagem por 12 anos”. Ok que foram alguns dias por ano durante 12 anos, mas mesmo assim. Era um projeto arriscado, porque era necessário colocar dinheiro em algo que podia não sair. Os atores podiam morrer. As pessoas podiam ficar entediadas e sair do projeto. O planeta quase foi atingido por um meteoro. Os Maias tinham uma previsão apocalíptica. Sei lá. Mas não; ficaram lá, gravando cenas por 12 anos e acompanharam o crescimento de um personagem (e do próprio ator) por 12 fucking anos.

Só isso – na minha opinião – já faria Boyhood ser considerado um grande filme.

Mas sabe o que faz Boyhood ser considerado mesmo um grande filme?

Nada acontece de verdade. Nada.

Você fica esperando por algo, por algum momento de revelação, por alguma cena angustiante, por uma virada inesperada de roteiro, por uma sacada de diálogo. E em nenhum momento alguma dessas coisas aparece no filme. Chato né?

Talvez.

A ideia de Boyhood foi mostrar com ficção o que se tenta conquistar em documentário: vida real. O personagem atinge a vida adulta e era isso. Sua mãe tenta conquistar relações amorosas com homens legais e falha, e faz piada sobre isso. Seu pai é um gurizão que nunca cresce e tenta fazer carreira musical até que vira um velho chato de bigode formado em ciências atuariais e especialista em seguros. Basicamente o tipo de homem que sua mãe sempre quis, mas os tempos de cada um foram diferentes – assim como na vida – e por isso eles nunca ficam juntos. Em dado momento a mãe do garoto decide terminar o casamento com o 2º marido, um alcoólatra que agrediu ela, e basicamente nada demais acontece. Tem uma cena de tensão falsa, em que se fica pensando “meudeus, o que vai acontecer?” e nada acontece. Ela simplesmente vai embora com seus filhos. O Garoto pergunta: “mamãe, nós vamos vê-los novamente?” (se referindo aos 2 filhos do agora ex-marido alcoólatra) e ela responde “não sei”. E de fato ela não sabe. Ninguém sabe. Eles não são mais mencionados. São esquecidos. Quem nunca esqueceu o melhor amigo que tinha aos 9 anos? O Garoto fala sobre perder a virgindade. Alguns momentos depois no filme ele já perdeu a virgindade, e só mostra que ele tem relações sexuais com sua namorada. Que tipo de filme de formação de um jovem decide manter de fora uma cena de perda de virgindade?? Esse filme. A namorada vai embora, depois de botar chifres. Ele vai para a faculdade. Crime ocorre, nada acontece, feijoada. (Exceto que nenhum crime acontece).

Boyhood é daqueles filmes que foi feito para receber um Oscar. 12 anos de filmagens, uma ideia ousada, dfícil de ser executada, extremamente cara, tecnicamente complicada. E fizeram. E ainda por cima é um documentário fictício. Ou uma ficção documentada, não sei. 

O filme teve 6 indicações ao Oscar 2015: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Roteiro Original e Melhor Edição.