HUMBERTO GESSINGER

Humberto Gessinger joga no time dos principais letristas da música brasileira e sempre tem muito a dizer. O ATL POP foi até a casa do eterno “Engenheiro” e conversou com ele sobre música, o novo DVD Insular, anos 80, legalização da maconha, casamento gay no CTG, intolerância nas redes sociais e, é claro, Engenheiros do Hawaii. Confira a entrevista feita por Porã Bernardes.

 

ATL POP: Desde os anos 80 tu já dizias numa música dos Engenheiros que “todo mundo é uma ilha”, recentemente você lançou um disco chamado Insular, que tem a ver com ilha também… Insular são pontos de conexão ou tem a ver com isolamento?

HG: Com o tempo eu comecei a duvidar se todo mundo é uma ilha ou se eu sou uma ilha… Acho que todo artista com a arte que faz cria um mundo próprio, mas o legal do momento que eu to vivendo agora é querer conectar esses mundos. Foi o que eu tentei fazer com o Insular, com os vários convidados. Tentar achar um terreno onde cada um continue sendo o que é, mas rolasse uma junção, um terceiro ponto nessa conexão.

ATL POP: Mas mesmo assim, em algum momento, o isolamento faz parte da fase Insular do Humberto?

HG: O isolamento é uma coisa anterior a minha música. Eu sou assim, sou um cara muito tímido, fechado, com dificuldade de relacionamento. Muito mais por timidez! É um lance que sempre teve presente na minha música, certa sensação de inadequação. Se tu entrasse na minha sala no colégio e pensasse… Desses 30 moleques quem vai ser uma figura pública? Eu seria o último! A vida te leva por uns caminhos malucos. Sempre tive muita dificuldade de me enquadrar nas ondas também. Mas fazendo uma retrospectiva, no primeiro disco dos Engenheiros já tinha participação do Nei Lisboa, depois Kleiton & Kledir, no Insular tem o Borges, o Bebeto Alves, o Frank Solari… Adoro fazer isso, mas não quero que seja visto como um lance programático… Interessante tu ter pescado essa coisa da ilha que sempre teve presente, sempre me achei meio deslocado.

ATL POP: Quando sai o DVD da turnê Insular? Porque tu escolheu Belo Horizonte pra gravar?

HG: Tá em pré-venda na Saraiva. Deve chegar às lojas dia 15 de novembro. A gente tem um público fabuloso em BH desde sempre. É um mistério porque eu nunca fiz nada de especial em relação a BH, mas lá se criou algo especial em relação ao meu trabalho. Como eu já tinha gravado em São Paulo, no Rio, o Pouca Vogal a gente fez aqui, eu achei que tava na hora de retribuir esse carinho.

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ATL POP: E recentemente o Jota Quest também gravou uma música tua… “Tudo Está Parado” foi encomendada?

HG: Eles estavam tocando em Porto Alegre e o Rogério me convidou pra tocar “Terra de Gigantes” e “Toda Forma de Poder”. Conversamos no hotel e eu achei o máximo, porque quando eles fizeram propaganda de refrigerante os jornais me ligavam pra que eu falasse mal do Jota Quest… O Rogério disse que queria gravar uma letra minha e eu tava numa fase de passar meses sem escrever uma linha, disse pra ele que não tinha nada… Quando entrei com meu carro na garagem tinha pintado a letra toda… Aí eu mandei e-mail com a letra e fiquei pensando que ele iria achar que eu fui pra rua comprar a letra de alguém… (risos) Eles gravaram e depois eu gravei no Insular.

ATL POP: Ao longo da tua trajetória tu acha que teve algum estigma que tu carregou, ou que a mídia quis te colocar, ou colocaram na tua música?

HG: Isso acontece o tempo inteiro. O fato de colar ou não depende de ti. O lance de ser gaúcho acho que me ajudou mais do que prejudicou. No início causava muita curiosidade. Nos primeiros anos da gente na mídia era só o “rock de bombacha”, “rock chimarrão”, chega um ponto que fica meio irritante… Pô… Não tão ouvindo a minha música!!??

ATL POP: Teve alguma banda ou algum crítico que sacaneou muito…?

HG: Esse é meu nome do meio né! Com o tempo tu aprende que aquilo ali é um balé… Tem horas que é legal falar bem de um artista, outra hora é bacana falar mal… As pessoas falam mais pra atrelar o vagão delas num trem. Na verdade não tão falando da tua música, quando eu entendi isso eu relaxei. Sempre achei que não era minha função ou necessidade responder. A hora que eu devo falar é a hora que eu componho. Depois o que forem falar da minha música tudo vale… Cada um tem a sua opinião. O que uma pessoa fala sobre o meu trabalho me diz mais sobre a pessoa do que sobre meu trabalho. Eu seria um esquizofrênico absurdo… Tentar me enxergar pelos olhos dos outros.

 

“Achei deprimente a reação em relação aos nordestinos que sucedeu à eleição.”

 

ATL POP: Mas tem alguma banda que virou desafeto, ou algo que marcou?

HG: Não… Aqui tinha essa lenda do Nenhum de Nós… Até hoje não sei de onde nasceu. Fora daqui falam da Legião. Mas não me lembro de nada… Era chute na canela né cara… Fulaninho dando letrinha em entrevista. Mas nunca levei isso como uma coisa profunda, séria. E os críticos também… escrevendo mal… Quando tu tens muita exposição isso vem junto entendeu? To tentando pensar em alguma coisa que tenha sobrevivido de 80 pra cá, mas não… Não sei.

ATL POP: Qual era a referência dos Engenheiros lá no começo e a partir de que momento tu achas que o caminho começou a mudar?

HG: O primeiro disco é de um estudante de arquitetura que montou uma banda e viu tudo dar certo, muito mais que de um músico. São canções que eu compus no início da banda, tem muito disso. Depois, no segundo, já é um disco de alguém que já tá na estrada de músico. Quando percebo que toma conta essa arte/ofício. Rola certa desilusão no “Revolta” se tu prestar atenção nas letras. Desse choque do menino que sempre sonhou ser músico e entra em contato com a realidade. Fica mais agridoce, amargo e melancólico. Esse é um ponto. Na prática tem o lance de eu ter ido tocar baixo. Fica mais particular a formação. O som do “Longe” soa mais facilmente assimilável.

 

“Com o Engenheiros não tenho nenhum plano não.”

 

ATL POP: No segundo disco parece que tu encontrou o que tu queria… Achou a tua linguagem… De certa forma isso te acompanha até hoje?

HG: Acho que sim. O primeiro disco é uma tentativa de conexão.  Tu pega o telefone e disca um número… O segundo tu sacou que atenderam do outro lado. Ah… Tem gente ouvindo então vamos falar sério agora… Sério não no sentido de seriedade, mas no de se aprofundar… Ali eu saquei que tinha uma galera me acompanhando e começou a rolar um diálogo que vai até hoje.

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ATL POP: Como tu vê esse cenário de gravadoras quebradas, bandas famosas disponibilizando downloads gratuitos de discos… Pra onde vai a música?

HG: Eu nunca fui tão feliz sendo músico, estando numa banda como eu to agora, mas eu reconheço que há certo desânimo em volta. Me parece que o rio da indústria da música popular estreitou. Fico numa situação complicada porque eu sei que tá uma merda, mas pra mim tá super legal… Acho que o ambiente tá se purificando. As pessoas que estavam em volta só pelo glamour todas saíram. Só tá no ambiente musical quem quer fazer música mesmo. Isso é maravilhoso! Mas o cenário é foda! Quem diria que pra cada minuto de música ao vivo na televisão a gente teria dez horas de programa de culinária. É surreal!! Tu lança um disco e vai num programa de rádio e em todo o Brasil é só humor… Quer dizer, é uma falta de espaço do cão! Mas por outro lado vejo algo de purificação.

ATL POP: Desde quando tu não tens uma gravadora?

HG: Desde o Novos Horizontes, um DVD que eu lancei em 2007 com os Engenheiros, era da Universal. Claro que eu falo de um ponto de vista de alguém que está estabelecido. Tenho a impressão que pra molecada que tá começando deve ser bem mais difícil. Quando apareceu a internet a gente só via os aspectos positivos e eles não se realizaram. Pra quem tá começando tá mais difícil de manter trabalho autoral. Às vezes fico vendo esses grandes festivais, a banda tem um monte de sucesso, sobe lá e toca cover. Nada contra, mas o que sobra pro moleque que tá começando no bar da cidade baixa se aquela banda famosa tá fazendo isso.

 

“Tenho bem menos paciência pra conversar com bêbado do que pra conversar com um chapado.”

 

ATL POP: Tem alguma comemoração especial prevista pros 30 anos dos Engenheiros do Hawaii?

HG: Janeiro agora é 30 anos do primeiro show, depois os 30 anos do primeiro disco. Tem vários aniversários de 30 pra comemorar. Eu to pensando seriamente em regravar o Longe Demais das Capitais em 2016. Algo parecido com o Insular, tocando com várias formações. É uma coisa que me interessa muito fazer. Já reescrevi uns arranjos e talvez seja o mais próximo de uma comemoração que eu possa fazer. Não sei se é porque eu nasci no dia 24 de dezembro, mas as datas festivas não me seduzem muito. Quando eu descobri que aqueles pinheirinhos e aquelas luzes todas não eram pra mim… Eu fiquei meio decepcionado…(risos) Mas regravar o “Longe” é uma coisa que gostaria muito de fazer. E acho que pra cena aqui é um disco significativo. Foi o primeiro disco de ouro de uma banda daqui, acho que é algo que merece ser reverenciado.

ATL POP: Mas é um retorno do Engenheiros ou é Humberto Longe Demais das Capitais?

HG: Cara.. Longe Demais acho que ainda não vai ser Engenheiros.. To a fim de regravar no mesmo esquema do Insular com vários convidados. Seria mais ou menos assim… Roger Waters tocando The Wall (risos)… Ênfase no disco. Porque cada ano que demora pra voltar o Engenheiros vai ficando mais importante essa volta. Não faria sentido gravar num trio, a gravação do trio perfeita do “Longe” já tá feita. Com o Engenheiros não tenho nenhum plano não.

 

“Eu não acho estranho casamento gay, acho estranho alguém querer se casar no CTG!”

 

ATL POP: O que havia de tão legal nos anos 80 que surgiram tantas bandas boas?

HG: Às vezes fico pensando… Será que foi uma concentração de gente de talento? Acho que o que talvez aconteça hoje é que nós tenhamos ficado mais preguiçosos como ouvintes, menos generosos, muito pragmáticos e não damos chances da gurizada desafinar nas primeiras músicas autorais deles. Já queremos o refrão antes da introdução. A nossa geração correu muitos riscos. Todo mundo tinha algo de “foda-se”, sem prestar muita atenção em querer fazer as coisas certas. Hoje em dia vejo a molecada muito pragmática. Isso ao invés de facilitar, tá prejudicando o caminho deles. A gente tinha vergonha de ser parecido com outra banda. Hoje em dia os caras tem orgulho de dizer: Minha Banda é parecida com isso, com aquilo… Caralho! Mas.. De fato, essa geração dos 80 construiu um repertório muito interessante, além do que a estrada passou a ser uma coisa importante, fazendo surgir um ambiente ao redor.

foto: Felipe Garchet

ATL POP: Legalização da maconha… Sim ou Não?

Sim. Acho que se cria um mito em volta. Eu não gosto, não me faz bem. O proibido mistifica um pouco. Eu liberaria. Mas não sei como é isso na prática, como é que faz. Não acho que seja algo muito pior do que álcool. Tenho bem menos paciência pra conversar com bêbado do que pra conversar com um chapado. E olha que eu sou PHD de falar com bêbado. Faz 30 anos que eu aguento bêbado. (risos)

ATL POP: E casamento gay no CTG pode?

HG: Cara.. Eu não acho estranho casamento gay, acho estranho alguém querer se casar no CTG! Por que diabos alguém gostaria?(risos) Mas acho que pode sim. Não entendo muito a lógica da cultura oficialista do CTG. Em nome disso, tu querer evitar que pessoas que se amam, possam se amar na frente de todo mundo eu acho um absurdo.

ATL POP: Como tu enxerga essa intolerância e a raiva que aparece nas redes sociais?

HG: Esse baixo astral das redes sociais acho que é mais barulho do que substância. Como vai levar a sério um cara que tá ali com pseudônimo, um fake. Mas que o mundo encaretou, encaretou velho… Tu vai numa saída de colégio, não tem uniforme, mas todo mundo tá vestido igual, com o mesmo cabelo… A gente teve mais perto de algo diferente do que se vê hoje. Bem mais perto de ser mais libertário. Parece que todo mundo quer pegar seu sanduíche botar de baixo do braço, sair correndo e comer sozinho num canto. Tua capacidade de criar vínculos bacanas tá limitada.  Quanta dor tu pode sentir num dia, quanto amor tu pode sentir no mesmo dia? A gente vive num mundo onde se vende dor e prazer ilimitados e achamos que se for pra colocar limite nisso estaremos deixando de ver e viver alguma coisa. Tá rolando um descompasso! Calma! A cada dia sua agonia e o seu prazer.

 

“Eu queria dizer que apesar de tudo, eu sou o cara mais fofo do mundo!”

 

ATL POP: E o episódio que aconteceu nas eleições?

HG: Achei deprimente a reação em relação aos nordestinos que sucedeu à eleição. Um absurdo que eu coloco na conta do irracionalismo que tomou conta da eleição na reta final. Nervos à flor da pele, a raiva cegando. Absurdo condenável mesmo. O que também achei estranho foi que parte da “inteligência” gaúcha tenha ficado escandalizada com alguns caras que foram eleitos aqui. No fundo isso dá bandeira de que mesmo os que se acham mais esclarecidos daqui caem no conto de que somos diferentes.

ATL POP: E o caso do Aranha na Arena do Grêmio?

HG: Foi um episódio muito triste. Me envergonhou como gremista. Não acho que o Grêmio tenha uma diferença em relação a outros clubes. Todos tem um pouco disso. É injusto colar o estigma de time racista no Grêmio. Foi um episódio lamentável, muito triste e acho que pelo menos a gente tem que aprender com o que aconteceu. O que é perigoso e empobrecedor é misturar esse tipo de assunto com a paixão do futebol. Fica a polêmica pela polêmica. Quando se entra nesse terreno pantanoso não se consegue avançar. Vira um papo esquizofrênico de pessoas misturando uma questão super séria, uma dívida que a gente tem com a nossa história, que é a questão do preconceito com a paixão do futebol. Aí nenhum papo racional é possível. A gente perde uma puta chance de avançar. A grenalização babaca transforma em leviano algo que é muito sério.

ATL POP: Tem alguma coisa que tu gostarias de falar que não falou nessa entrevista?

HG: Caramba… Não senti falta de dizer nada a respeito da minha trajetória, ou das coisas que te trouxeram até aqui pra falar comigo. Agora, claro, eu queria dizer que apesar de tudo, eu sou o cara mais fofo do mundo! (Muitos risos)

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