Não precisamos ser nenhum especialista em sócio-política para perceber que vivemos em tempos de mudança. Basta abrir os olhos. E pelo amor da Deusa, já não era em tempo. Mulheres do mundo inteiro estão expondo os abusos sofridos durante anos, e apoiando umas as outras através de campanhas que disseminam na internet e sociedade, não apenas como fogo de palha – como era no passado – mas como a lava de um vulcão, transformando em pó toda forma de opressão que tente ser obstáculo.

O Golden Globes deste ano foi palco não apenas de estrelas da TV e do cinema, mas estrelas desta mudança que fomenta e promove um mundo mais igualitário para gênero, etnia ou orientação sexual. O preconceito está saindo de moda, enquanto a cor preta na vestimenta das mulheres marcou o evento com o apoio à campanhas como #METOO (#eutambém) e #TIMESUP (#jáéhora).

As atrizes que marcaram presença no tapete vermelho estavam acompanhadas por ativistas reconhecidas por lutarem pelos direitos das mulheres, numa atitude louvável de aumentar o volume e alcance destas vozes. Dentre as maravilhosas presentes estavam Tarana Burke (movimento #metoo), Ai-Jen Poo (National Domestic Workers Alliance) e Marai Larasi (IMKAAN).

TIMESUP

Começamos pelo monólogo do comediante Seth Meyes que sapateou em cima do predador sexual, o figurão de Hollywood Harvey Weinstein, até o comentário da musa-musíssima Natalie Portman, pontuado que todos os indicados a melhor direção eram homens.

Mas o show mesmo foi dado pela homenageada Oprah Winfrey, que recebeu na noite do Golden Globes o prêmio Cecil B. DeMille, que reconhece anualmente os destaques no cinema. Oprah – que é uma mulher, negra e de origem humilde – aproveitou a oportunidade para falar de inspiração e de opressão. E o discurso – que conta a notável história de Recy Taylor – já é reconhecido como um dos mais importantes da atualidade. Uma fala apaixonada, cheia de significado, que arrancou lágrimas, e palmas de uma platéia que a ovacionou em pé. Nós do ATL Girls ficamos alvoroçadas de tanto orgulho.

Sem mais delongas e reconhecendo que serei incapaz de falar melhor do que mulher do momento, com vocês senhoras e senhores, esse mulherão maravilhoso, Oprah Wilfrey:

(Transcrição do discurso traduzido ao final do post.)

Ah, só mais uma coisinha. Aos misóginos, racistas e opressores do mundo – incluindo Donald Trump – #TIMESUP:

Apresentação1

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“Em 1964 eu era uma garotinha sentada no chão da casa da minha mãe em Milwaukee assistindo à Anne Bancroft apresentando o Oscar de melhor ator na 36ª edição do prêmio. Ela abriu o envelope e disse cinco palavras que literalmente fizeram história: ‘o vencedor é Sidney Poitier’.

No palco subiu o homem mais elegante que eu já vi. Lembro que a grava dele era branca e, claro, sua pele era negra. Eu nunca tinha visto um homem negro sendo celebrado daquela forma. E eu tentei muitas, muitas, muitas vezes explicar o que um momento como aquele significa para uma garotinha, uma criança assistindo de um lugar humilde, enquanto minha mãe chega pela porta, cansada de fazer faxina na cada dos outros. Mas tudo o que eu podia fazer citações e dizer que a explicação na performance de Sidney em ‘Uma Voz nas Sombras’, ‘Amém, Amém… Amém, Amém’.

Em 1982 Sidney recebeu o Prêmio Cecil B. DeMille aqui no Golden Globes. E não me foge o fato de que neste momento há algumas garotinhas assistindo enquanto eu me torno a primeira mulher negra a receber este mesmo prêmio. É uma honra e um privilégio compartilhar a noite com todas elas, e também com os incríveis homens e mulheres que me inspiraram, que me desafiaram, que me sustentaram e que fizeram minha jornada até este palco possível. Dennis Swanson que me deu uma chance em ‘AM Chicago’, Quincy Jones que me viu no programa e disse para Steven Spielberg: ‘Sim, ela é a Sophia de ‘A Cor Púrpura’. Gayle, que é a definição do que um amigo é e Stedman que é minha pedra. Apenas para citar alguns.

Eu quero agradecer à Associação da Imprensa Estrangeira em Hollywood, porque todos nós sabemos que ela está sob ameaça atualmente. Você sabe que é a dedicação insaciável para descobrir a verdade absoluta que nos impede de ficarmos cegos para a corrupção e para a injustiça. Para tiranos, vítimas, segredos e mentiras. Eu quero dizer que eu dou valor à imprensa mais do que nunca conforme tentamos navegar nestes tempos complicados. O que me leva para isso…

O que eu sei é que falar a verdade é a ferramenta mais poderosa que todos nós temos. Estou especialmente orgulhosa e inspirada pelas mulheres que se sentiram forte o bastante, e empoderadas o bastante para falarem e compartilharem suas histórias pessoais. Cada um de nós nesta sala somos celebrados por causa das histórias que contamos. E neste ano nós nos tornamos as histórias. Mas não é só a história afetando a indústria do entretenimento. É uma que transcende qualquer cultura, geografia, raça, religião, política ou local de trabalho.

Então hoje eu quero expressar gratidão por todas as mulheres que aguentaram anos de abuso e ataques porque elas, como minha mãe, tinham filhos para alimentar, contas para pagar e sonhos para perseguir. Elas são mulheres cujos nomes nós nunca saberemos. Elas são trabalhadoras domésticas e de fazenda. Elas estão trabalhando nas fábricas, nos restaurantes, na academia, e fazendo engenharia, medicina, ciência. Elas são parte do mundo da tecnologia, da política, dos negócios. Elas são atletas nas Olimpíadas e soldados militares.

E tem alguém mais, Recy Taylor. Um nome que eu conheço e acho que vocês deveriam também. Em 1944, Recy Taylor era uma jovem esposa e mãe. Ela estava andando a caminho de casa da igreja onde ela ia em Abbeville, quando ela foi raptada por seis homens brancos armados que a estupraram e a deixaram vendada na sarjeta. Eles ameaçaram matá-la se ela contasse para alguém. Mas a história dela foi reportada para a NAACP (Associação Nacional para o progresso de Pessoas de Cor), onde uma jovem mulher chamada Rosa Parks se tornou chefe de investigação no caso. E juntas elas buscaram justiça. Mas justiça não era uma opção na era de Jim Crow, os homens que tentaram destruí-la nunca foram perseguidos. Recy Taylor morreu dez dias atrás, próxima de seu 98º aniversário. Ela viveu, como nós vivemos, muitos anos na cultura quebrada de homens brutalmente poderosos. Por muito tempo mulheres não foram ouvidas ou acreditadas se elas ousavam falar a verdade sobre o poder destes homens. Mas o tempo deles acabou. O tempo deles acabou!

Eu apenas espero que Recy Taylor morreu sabendo que a verdade dela, como a verdade de tantas outras mulheres que foram atormentadas nestes anos, e mesmo agora são atormentadas, continuam seguindo em frente. Estava em algum lugar no coração de Rosa Parks, quase 11 anos depois, quando ela decidiu ficar sentada naquele ônibus em Montgomery. E está aqui no coração de todas as mulheres que escolhem dizer ‘eu também’ e todos os homens que escolhem escutar.

Na minha carreira o que eu sempre tentei o melhor que pude para fazer, seja na televisão ou no cinema, foi dizer algo sobre como homens e mulheres realmente se comportam. Dizer como nós vivemos a vergonha, como amamos, como ficamos com raiva, como falhamos, como recuamos, como perseveramos e como superamos. Eu entrevistei e interpretei pessoas que suportaram algumas das coisas mais horríveis que a vida pode dar, mas uma qualidade que todos eles compartilham é a habilidade de manter a esperança para uma manhã mais brilhante. Mesmo durante nossas noites mais sombrias.

Então eu quero que todas as garotas assistindo a isso aqui e agora saibam que um novo dia está no horizonte! E quando este novo dia finalmente chegar, será por causa de diversas mulheres magníficas, muitas das quais estão bem aqui nesta sala hoje, e alguns homens fenomenais lutando bravamente para garantir que eles se tornem os líderes que nos levarão para um tempo quando ninguém mais vai precisar dizer ‘eu também’.”

Oprah Wilfrey

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