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Eu tenho um sonho desde a puberdade. Ele deveria ser um sonho bem simples na verdade: meu sonho era caminhar tranquila pelas ruas. Como uma viajante inveterada, perceba, eu caminho muito por aí. E por diversas vezes, caminho desacompanhada – afinal eu amo a minha própria companhia e acredito que não deveria ser mandatório ter um homem ao meu lado para receber respeito. Então foi na estrada que eu ampliei o meu sonho. Não queria apenas andar segura pelo Brasil, o que parece uma tarefa intrinsecamente complicada dada a incidência assombrosa de assédios que o país coleciona. Mas eu queria caminhar pelo mundo com a certeza de respeito e serenidade. Coisa que mulher nenhuma um dia teve.

Na luta por esse meu sonho, passei a responder aos assédios que recebia na rua com uma pergunta simples e direta: “você falou comigo?”. Encarava os autores dos assédios sem nunca desviar o olhar deles. Quando a cantada era feita pelas minhas costas, voltava alguns passos, parava em frente ao homem que me abordava e pergunta “oi, o que mesmo você disse? Pode repetir?”. A maioria destes cidadãos não recebeu bem o confrontamento de sua taradice. Muitos deles desconversavam, diziam que eu estava enganada, que tinha escutado errado. Outro enorme número me chamou de “louca”. Louca, pensei eu, louca eu era quando pensava que deveria ficar quieta. Pisar miúdo. E seguir com medo. Mas não mais. Essa seria minha prática – uma pequena contribuição no caminho de passos mais livres. Ainda que tivesse que enfrentar cada escroto que encontrasse pela rua.

A holandesa Noa Jansma foi além da minha tática. Cansada do assédio dos homens da cidade de Amsterdã, Jansma passou a tirar selfies com seus assediadores. Com a feição sempre fechada, Noa mostra que a atitude é longe de louvável, enquanto seus assediadores posam rindo para a câmera reforçando a ideia de não estariam fazendo nada de errado. A conta @dearcatcallers (“caro assediador”) coleciona a cara do machismo. Com “apenas” 30 publicações (ou seja, “apenas 30 assediadores”) a conta já é seguida por mais de 330 mil seguidores.

A ideia do projeto é simples – tal como o meu sonho de andar tranquila pela rua. É mostrar que assedio na rua não é elogio, tão pouco bem vindo. Noa, assim como a maioria de nós ficou cansada de ouvir desde um “fiu-fiu” até o “vou te comer gostoso”. E decidiu que já que não existe vergonha na prática do catcalling (termo para assédio na rua), nada mais justo do que expor os assediadores. Através do projeto proposto por Noa, a jovem holandesa conseguiu levantar uma discussão global sobre o machismo praticado nas ruas. Além de levantar o óbvio: queremos apenas caminhar sozinhas pela rua sem sofrer assédio.

“Fazendo a selfie, tanto o objetificador quanto o objeto estão em uma composição. Eu, como objeto, estando à frente dos assediadores, represento a relação inversa de poder causada por esse projeto”, disse Noa Jansma.

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A Holanda tem marcado para o dia 1º de janeiro de 2018 uma mudança na sua legislação em que cantadas serão punidas por lei no país. Os assediadores serão multados em até 190 euros pela agressão.

E aí, Brasil? Vamos seguir sendo o país que ejacula em mulheres no transporte público?

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Aline Mazzocchi é autora do blog Antônia no Divã, colunista do ATL Girls e atualmente está radicada no mundo com uma mochila nas costas. Por aqui ela fala sobre viajar, as aventuras de ser mulher na estrada, dicas, perrengues, aprendizados e filosofia viajante. Carimbe seu passaporte com ela aqui no ATL Girls e também no antonianodiva.com.br.

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