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A coisa mais difícil que eu fiz na minha vida foi trocar de roupa. Isso mesmo. Trocar de roupa depois de um banho revigorante que conseguiu trazer de volta um pouquinho da energia vital que eu vinha perdendo com o passar dos meses. Lembro de trocar de roupa e pensar no quanto eu queria chorar, mas lembro de não conseguir. Talvez porque meu coração estivesse tão enrijecido que eu não conseguisse mais sentir nada. É impressionante como podemos nos acostumar com a dor sem perceber – e de certa forma, até apreciar ela.

Eu comecei sumindo. Desapareci. Fiquei meses sem ver e nem falar com grandes amigos meus. Eu começava conversas com eles no Whats e simplesmente não conseguia continuar. Parei de sair. Não conseguia dormir. Tinha pesadelos horríveis. Não conseguia ir pra festas, tinha vontade de chorar em todas. Parei de beber. Parei de assistir novas séries (eu continuava assistindo as antigas em repeat). Eu não conseguia parar de comer como se todos os meus problemas fossem ser resolvidos com a la minutas perto do meu trabalho e xícaras intermináveis de farinha láctea com copos de guaraná gelado. Com o tempo eu me olhava no espelho e tinha vergonha de mim, não pela minha aparência mas porque eu simplesmente não conseguia ver nada de bom na pessoa que eu tinha me tornado. Enquanto eu seguia escrevendo e lendo dos outros sobre como eu era corajosa, como eu era forte eu só conseguia sentir pena de mim mesma. Dia após dia. Todo dia eu encontrava um motivo pra reafirmar que a minha vida era sofrida. Pra reafirmar que eu era infeliz. Pra reafirmar que “nada dava certo pra mim“. O sofrimento é viciante. A tristeza é viciante e àqueles tempos era, definitivamente, a minha droga. Eu observava a vida das pessoas indo pra frente e via a minha andando cada vez mais pra trás, talvez porque eu estivesse ocupada demais observando a vida dos outros ou talvez porque eu precisasse de um empurrão e uma sacudida da vida pra superar o meu coração partido.
Até que iniciei uma reflexão profunda sobre o meu sofrimento e sobre como, mesmo tendo tudo, eu ainda sentia um vazio inexplicável. Eu ainda sentia uma tristeza e uma infelicidade que parecia aos outros e, acreditem, pra mim também, não fazer sentido. ​Eu vou dizer uma coisa que pode parecer muito insensível mas que é a realidade nua e crua: todo mundo tem suas batalhas diárias. Todo mundo tá enfrentando um problemão agora. Agora. Nesse exato momento. Mesmo aquela pessoa que tá sempre postando Stories felizona no Instagram. Aquela mina da sua faculdade que parece estar super bem resolvida, mas tá com a mãe com um câncer em casa, aquele cara que você sempre achou meio babaca do seu trabalho, tá com problema de grana, aquela sua amiga que parece feliz e bem, mas descobriu que o pai tá com uma doença. Sua chefe, aquela que pega no seu pé, tá se separando. Problemas de dinheiro. Problemas de saúde. Problemas de relacionamento. Todo mundo tá com alguma merda na vida. E eu sinto muito que você tenha que aprender isso da pior forma, mas os seus problemas não são maiores do que os de ninguém. Não mesmo. Mesmo que você seja o protagonista da sua vida, mesmo assim, ainda assim… Você precisa reconhecer a sua pequenez. Você precisa entender que por mais importante que você seja, você não é melhor do que ninguém. Como é dolorido para o nosso ego reconhecer nossa insignificância diante desses bilhões de tantas outras pessoas. Não me entenda errado. Não é que suas batalhas não sejam importantes. Claro que elas são. São muito. Suas vitórias também são e eu tenho certeza de que você tem pessoas pra compartilhar elas com você, mas você tem que entender que por mais que elas sejam importantes, as vitórias e batalhas dos outros também são.
Essa semana eu sentei na beira do Guaíba, em frente ao Iberê e enquanto eu me fazia aquela boa e velha pergunta, “é rio ou lago, mesmo?“, eu descobri depois de me afundar na barraca de cobertores que eu construí no meu quarto e que ficava ao lado das torres intermináveis de sorvete e leiteiras com brigadeiro, descobri que eu precisava voltar a chorar, que eu precisava voltar a sentir algo, que eu precisava fazer algo a respeito da minha vida, depois disso, eu precisava voltar ao velho clichê que tanto eu disseminava entre as pessoas que me conhecem: a nossa capacidade de superar as nossas derrotas. A nossa capacidade de superar um coração partido. A nossa capacidade de superar a morte do nosso amigo, de superar a falta de grana, de superar a dor de ver um parente nosso partindo. Resiliência: a palavra que me ajudou a superar minhas maiores dores. Depois disso tudo, eu resolvi tomar um banho e trocar de roupa. O banho mais doloroso que eu já tomei (daqueles que lavam a alma), tirei aquela roupa preta que eu usava sem parar. Tirei aquela cara de tristeza que eu usava sem parar. Arrumei meu quarto. Botei as cobertas pra lavar. Saí. Fui pro trabalho. Fui pra faculdade. Voltei a andar de bike. Melhorei minha energia, vibe, meu positivismo (chame do que bem entender). Me reconectei com minha religiosidade, com minhas essências, com a natureza. Conheci uma porção de pessoas novas e descobri, depois de tomar aquele banho trocar de roupa que dava pra ser feliz de novo, mesmo depois de achar que não daria mais, mesmo com todas essas merdas que a gente tem na nossa vida, acredite em mim, dá pra ser feliz.
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