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Escrevo mais uma vez de um aeroporto. Embarcaria para Bali, com escala na Malásia às 11h da manhã. Entretanto apenas 1 hora antes das 3 horas exigidas para estar no aeroporto, fui notificada que meu voo estaria atrasado e eu só embarcaria às 20h do mesmo dia. Obviamente que eu, que tenho pânico de perder avião, acordei às 6h para receber a tal notificação já a caminho do aeroporto de Sydney. Pensei em ficar puta da cara. Mas antes disso fui me informar.

No aeroporto, nem choro, nem vela. Não tinha o que fazer, ou brigar. Nem a alegação de um suposto casamento em Bali poderia materializar um avião para me colocar na Indonésia no dia e horário da minha expectativa. Ou seja, perderia de qualquer forma longas horas de um dos meus dias a rúpias (moeda da Indonésia) suadas esperando no aeroporto. Meu destino estava traçado. Fato: as minhas amigas chegariam antes que eu no paraíso, enquanto eu dependia da minha sorte na Malásia para um possível voo na amanhã seguinte, ou na pior das hipóteses, um a noite, o que resultaria em perder dois dias inteiros da minha viagem tão esperada.

Eu quis ficar puta. Aliás, é mentira. Eu fiquei puta. Possuída por alguns minutos. Sentei no meio fio do aeroporto, no sol lindo que fazia em Sydney. Fumei um cigarro que sei que não deveria, tentando descontar nos meus pulmões a fúria que me atormentava o peito. Planejei uma vingança contra a companhia aérea. Um review horrível na fanpage da empresa. Roubaria todos os sabonetes do avião, ou esvaziaria o estoque de vinho importado deles durante o meu voo. Mas sentada no mesmo meio fio que planejei minha vingança medieval, me dei conta de que nada disso recuperaria o tempo perdido. Ou pior, faria das minhas horas de espera não planejadas, horas de fúria milimetricamente elaboradas.

O episódio todo me lembrou uma das maiores lições que meu irmão havia me ensinado, anos antes. Quando numa viagem em um réveillon qualquer em Santa Catarina, tive o carro arrombado e meus pertences roubados no primeiro dia de viagem. Sentei na minha cadeira de praia inconsolável pelos bens perdidos, pelo sentimento de invasão, pela minha vontade de ir embora, e outros sentimentos ruins expressos em lágrimas gordas e incontroláveis. Liguei para o meu irmão, como sempre fazia quando me sentia paralisada de raiva.

Ele, que apesar de mais novo que eu, gozava de uma maturidade incomum para os seus 20 e poucos anos. Uma maturidade incomum para mim (que já tenho mais de trinta) em qualquer idade, eu diria. Do outro lado da linha, o meu irmão mais novo pediu que eu não me injuriasse. Que entendia a minha frustração, mas que ao decidir ficar puta com meu infortúnio, eu estaria perdendo duas vezes. Meus bens materiais, com o furto, mas também minha paz de espírito, e essa, não tinha reposição. Ele me explicou que eu ficando brava, implicaria em perder um tempo precioso da minha vida esbravejando sobre algo que eu não podia mudar. A minha atitude entretanto, esta sim, ele disse,  estava sobre o meu controle. Então me pediu, com a voz calma e palavras ponderadas que sempre reservava para mim: “Fique bem, ou você perde duas vezes.”

De lá pra cá essa frase sempre ecoou na minha mente, frente a uma situação ruim que eu não podia remediar. “Fique bem, ou você perde duas vezes“. E entenda aqui, isso não é um mantra a favor do conformismo, mas uma filosofia em favor do bem estar, da aceitação de que a gente não controla a nossa sorte o tempo inteiro. Mas pode sim controlar como encaramos a nossa falta de sorte, e o aprendizado que ela nos propõe.

Ali, perante aquele voo atrasado, mais uma vez me lembrei do meu irmão, aquele que hoje está lá no céu naquela viagem que um dia todos faremos. Pensei que ele devia estar feliz por saber que em algumas horas eu estaria fazendo a viagem que sonhei. Entretanto, a alegria dele, eu imagino, devia ir além disso. Ele devia estar feliz por ter me ensinado a não ficar brava com as coisas as quais eu não posso mudar, e por me ver me empoderando dos sentimentos que de fato eu escolho controlar.

Então ali naquele aeroporto, decidi encarar positivamente as longas horas até o meu voo. Aproveitando a minha companhia, que é uma das melhores que eu conheço e gozando da sorte que tenho por ser a protagonista da minha própria história. Aliás, decidi inclusive que iria pegar os vouchers de alimentação que ganhei por conta do atraso do voo e me pagar um belo almoço. Decidi me enlouquecer com estes $20 no aeroporto! E ai de quem atrasar essa minha alegria!

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Aline Mazzocchi é autora do blog Antônia no Divã, colunista do ATL Girls e que atualmente está radicada no mundo com uma mochila nas costas. Toda quinta-feira ela está aqui falando sobre viajar, as aventuras de ser mulher na estrada, dicas, perrengues, aprendizados e filosofia viajante. Carimbe seu passaporte com ela nas quintas aqui no ATL Girls e também no antonianodiva.com.br. 

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