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“Sou ladrão e vacilão”. Eu podia ter essa frase tatuada na minha cara. Quando criança gostava muito de um brinquedo da minha pré-escola, era uma pata de borracha e eu lembro que ela cheirava a brinquedo novo, um dia resolvi levar ela pra casa. Cheguei em casa e menti que a professora tinha me dado a pata e como nunca fui boa com mentiras, minha mãe rapidamente arrancou-me a verdade.

Essa história poderia ter dois lados. Eu poderia tentar me defender dizendo que era criança e que eu não tinha a capacidade de discernir e separar o certo do errado, mas o fato de eu ter escondido da minha mãe, prova que eu sabia sim que era errado, mas que escolhi fazer mesmo assim. Foi uma escolha. Eu roubei o brinquedo da creche. Felizmente, minha mãe me olhou nos olhos e obrigou-me a levar o brinquedo até a minha professora e pedir desculpas por ter roubado. Eu nunca esqueci do sentimento de vergonha que me tomou naquele momento. Me obrigar a pedir desculpas e devolver o brinquedo nas mãos da professora foi a melhor escolha que a minha mãe podia ter tomado por mim. Àqueles tempos pensei que era só colocar na minha mochila e devolver ao canto dos brinquedos, afinal ele ficara fora somente por um dia, ninguém ia ter notado sua ausência. O que eu senti ao ser obrigada a pedir desculpas, devolver o brinquedo e admitir que eu tinha pego algo que não era meu, deixou em mim a certeza de que eu nunca mais queria passar por aquilo de novo.

Mais cedo no meu trabalho tivemos uma discussão sobre o menino que teve a frase “Sou Ladrão e Vacilão” tatuada em sua cara, mas a reflexão que eu trago é um pouco mais complexa do que “Tatuador x Ladrão”, acho que o feed de vocês, como o meu já tá atolado disso. Vamos esquecer por alguns segundos as tantas esquerdas e direitas que nos separam ao longo dos nossos caminhos ideológicos, políticos e sociais. Existem somente dois caminhos pro caso dessa tatuagem: o certo e o errado e isso excluindo esses tantos contrastes ideológicos e políticos que nos cercam. Roubar é errado. Todos nós sabemos disso. Todos nós estamos cansados da violência. Todos nós estamos cansados de esconder o celular na rua. Todos nós estamos com medo de não chegar hoje em casa. Esquerdas e direitas. Só que existem fatores determinantes na formação do nosso caráter e do nosso comportamento e tem pessoas que conseguem entender isso e outras que não conseguem. É simples. A lei do determinismo, o ambiente faz a pessoa. Se a minha mãe nunca descobrisse que eu roubei aquele brinquedo na pré-escola, talvez hoje eu pegasse o batom de uma colega, um estojo na faculdade, um casaco. Não sei. Ao completar seis anos entrei em uma boa escola particular, ganhei canetas mas sei que aos seis algumas crianças ganham armas.

É tão fácil esse papel de cagador de regra no quentinho de casa, enquanto vocês acham que doar uns dois casacos que já não te servem mais é “mudar o mundo” e ajudar os outros. Pra mudar o mundo, precisamos mudar a nós mesmos – eu inclusa. É fácil questionar o caráter alheio quando o seu nunca foi posto à prova, né? Antes de julgar um menino, viciado em drogas, com transtornos psíquicos e já partindo para a QUARTA internação em uma clinica aos DEZESSETE ANOS, acho que deveríamos fazer aquele belo exercício de olhar para nós mesmos. Como vocês se sentiriam em ter tatuado na sua testa “eu assedio alunas menores de idade”, “eu traio a minha mulher”, “Eu já paguei pra minha mina abortar em uma clínica, mas sou contra a legalização do aborto” “Já me aproveitei de uma menina bêbada”?

Pra vocês que querem tanto decidir quem deve viver e quem deve morrer: a única morte que eu anseio é a morte desse seu pensamento limitado. O “bandido bom é bandido morto” no Brasil não passa de um recurso que usamos pra exercer nosso poder com um discurso fingido de quem grita por justiça, mas, na verdade, não é a morte do bandido que as pessoas pedem, é a morte da favela, a morte dos pobres. Se um cara passa no supermercado e abre aquele salgadinho pra ficar comendo enquanto anda pelo mercado, ninguém, mas ninguém mesmo (nem mesmo você, não precisa olhar pros lados, só tá você e o celular aí) vai querer que ele seja morto ou linchado por isso a não ser que ele pareça pobre ou seja negro. Não é a morte do bandido que a gente quer, mas a morte do “vagabundo”, daquela pessoa que está figurativamente abaixo de nós, é aquela velha tara coletiva de opressão velada pelas máscaras de bons sujeitos.

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