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“O que essa galera tem na cabeça?” Foi a primeira coisa que eu pensei quando vi a notícia. Acordei já mandando o link com as fotos dos estudantes da escola de Novo Hamburgo pra todas pessoas que costumam discutir e refletir comigo sobre questões existenciais e sobre a sociedade. Entre um xingamento e outro direcionado para os estudante, me dei conta da verdade inegável: é irresponsável e injusto responsabilizar os adolescentes por erros que não são culpa deles. Eles vestiram aquelas fantasias, mas o significado delas é algo que vem sendo construído em suas cabeças desde que nasceram. É igual a cena de “black face” do “Dear White People“, é muito mais do que somente brancos pintando suas caras de preto, é o que aquilo significa dentro de uma sociedade que é essencialmente preconceituosa e racista.

Ao abrir o link das notícias ontem, eu vi meus colegas. Me vi. Por que há alguns anos talvez eu achasse que não tem nada errado no que aqueles adolescentes inconsequentes fizeram. Talvez fosse eu dentro de alguma daquelas fantasias, por isso eu peço que a gente reflita sobre o que realmente merece reflexão e convido vocês a voltar o olhar a quem precisa sofrer as reais punições e questionamentos sobre esse incidente: os pais desses adolescentes. Estamos questionando a consequência, quando o que importa, nesse caso, é o processo. Eu cresci em uma dessas escolas. Uma dessas com nome de santo. Uma dessas escolas de filhos de pais ricos. Uma dessas escolas onde os pais resolviam os problemas com uma ligação (àqueles tempos), hoje um whats deve bastar. A questão é a seguinte, por ter crescido em uma dessas escolas, eu aprendi algumas coisas que somente a vivência é capaz de nos ensinar. Aprendi que a escola também é uma grande responsável pela formação da nossa personalidade, mas nós já chegamos na escola com o nosso caráter parcialmente formado. Vi muitos filhos de pais ausentes (e quando eu falo ausentes, to falando de presença física e emocional, os problemas não se solucionam com dinheiro e celulares novos) se transformando diariamente em seres humanos mais ressentidos. Começa com uma piadinha racista e termina com uma mão dentro da calça de uma menina inconsciente em uma festa porque eles sabem que com uma ligação os pais deles resolvem tudo, menos esse vazio que a ausência deles deixou. A impunidade da asas pra quem não tem limites e aí a escola pode ter uma influência importante ao não abaixar a voz pra voz, quase sempre potente e prepotente, desses pais.

Calma. Eu não vim aqui defender os estudantes da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo. Longe de mim querer defender essa alienação, mas a reflexão que esse acontecimento deveria ter gerado vai muito além da reflexão que gerou. O “recreio temático” é só um reflexo da realidade nada lúdica ou temática da nossa sociedade. O que realmente tá em xeque dentro dessa reflexão é: que tipo de pessoas o futuro do nosso país espera? Afinal, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais. Uma frase linda eternizada pela grande Elis Regina, escrita por Belchior mas que, hoje em dia, deixa em mim, um medo recorrente.

Vou contar a minha história. Eu tive sorte. Meus pais sempre me ensinaram a valorizar o que realmente merece ser valorizado: as pessoas. Eu sempre tive como premissa na minha vida que todas as pessoas são iguais e que tudo que eu plantasse, colheria em algum momento. Meus pais ralavam muito pra pagar a minha escola, por conta disso fui criada por babás. Minhas babás sempre me trataram como se eu fosse filha delas e em muitos momentos da minha vida, elas ficavam mais tempo comigo do que com as próprias filhas, e eu ficava mais com elas do que com meus pais. Ao lado dessas mulheres guerreiras eu aprendi coisas valiosíssimas sobre a vida, sobre valores e sei que em muitos momentos eu fui ingrata com elas e aqui vai meu primeiro pedido de desculpa. Com elas eu também aprendi a fazer miojo, o que tem sido muito útil pra minha rotina de hoje em dia, então aqui vai o primeiro agradecimento. Nós brigávamos como se fôssemos mãe e filha. Pude ver minha primeira babá realizando o seu sonho e se tornando enfermeira, criando dois filhos ralando muito pra ver sua primeira filha na faculdade. E me tornei irmã da filha da minha segunda babá, pude ver ela entrando em uma faculdade e se encontrando como pessoa. Se hoje eu não sou alienada é por causa dessas mulheres e por ter sido criada por pais que me ensinaram que como eu trato quem me serve, é o que realmente diz algo sobre mim.

Toda essa história é pra dizer que eu cresci assim, mas eu entendo que 90% dos meus ex-colegas não tiveram a mesma criação que eu. Se tudo der errado… Já deu. Esses adolescentes crescem como “crias de João Dória” , brincando de gari por um dia. Triste não é esse um dia de fantasia dessa escola, triste é que a gente vista a fantasia de alienado todos os dias ignorando a realidade do nosso país. Diariamente a gente falha como ser humano. Quando ignoramos o morador de rua. Quando escolhemos conscientemente passar reto pelos problemas da nossa cidade, quando escolhemos por livre e espontânea vontade colocar as pessoas que nos servem abaixo de nós. Só o fato de nos sentirmos superiores a alguém, evidencia a nossa pequenez. Hoje eu deixo aqui o meu agradecimento às faxineiras que limpam e já limparam a minha sujeira nas escolas, faculdades, cinemas, festas. Agradeço a todos que me atenderam entre um MC corrido e uma conta pra pagar no horário do almoço. Hoje eu deixo aqui o meu agradecimento ao entregador de jornal que é o responsável por fazer com que o meu trabalho chegue até a mão das pessoas. Hoje eu deixo aqui o meu agradecimento aos professores que são diariamente humilhados não só pelo baixo salário, mas pelos filhos mal educados desses pais inconsequentes. Agradeço também aos meus porteiros que me ensinaram mais sobre a vida do que qualquer livro conseguiria.

Aos pais que criaram seus filhos para desmoralizar e diminuir pessoas que tem menos, eu só posso dizer que eu espero que um dia seus filhos aprendam a valorizar o que realmente é valoroso, até lá não esqueçam que por mais cara que seja a sua lápide, depois da morte vocês é que vão feder mais.

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