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Neste verão tive a oportunidade de visitar uma casa de shows irada do litoral. Foi do tipo bom, bonito e barato. Ganhei uma cortesia que dava acesso a um camarote VIP, tipo de acesso que dificilmente eu teria dinheiro para pagar. Foram-me passadas recomendações sobre o que vestir, e eu ignorei todas elas, trocando o salto alto por um tênis confortável, o que não foi problema para meu acesso – do contrário eu nem entraria. Óbvio que eu era a minoria de tênis. Mulheres lindas usavam salto e looks completamente produzidos – o que não me incomodou, já que meu tênis foi aceito, ou seja, a casa era dita de “elite” mas ainda assim, democrática.

O lugar era lindo, as pessoas estavam extremamente arrumadas e a bebida era cara. Tudo o que eu já esperava. Os camarotes preenchiam a maior parte do ambiente, como era de se imaginar num lugar como aquele. O serviço era bom, e tudo ocorria normal. Até que em um dado momento, uma moça que trabalhava ali, tentava com muito esforço limpar o chão da área em que eu estava ocupando. Dei licença a ela com um sorriso compreensivo, já que a maioria das pessoas circulavam sem prestar muita atenção na tentativa dela. Até aí nada de absurdo, considerando o espaço pequeno que todos dividiam no corredor, e a enorme quantidade de álcool no sistema do público circulando.

Foi quando observei que em meio à multidão, um jovem de camisa de cavalinho, segurando uma taça de champanhe, se aproxima da cena, e sem nenhum constrangimento pisa no meio da área recém-limpa pela funcionária. Não foi sem querer. Olhando nos olhos dela, eu vi ele “deliberadamente” marcando uma pegada na área limpa do chão, com uma risadinha de canto de boca. A frustração nos olhos da funcionária ficou evidente, com um misto do que eu reconheci como humilhação. A raiva nos meus olhos explodiam.

Toquei no ombro do engraçadinho e uma conversa nada produtiva começou:

– VEM CÁ, HEIN? Tu não tá vendo que ela tá tentando limpar?

– Eu vi, ué. Eu só estava tentando fazer uma brincadeirinha com ela.

– Pois é, mas ela não está aqui brincando. Ela está tentando trabalhar exatamente para que um babaca como tu possa brincar.

– Nossa, que escândalo! Como você é mal educada! Sua grossa! Mal educada!

– Ahhhhh, eu sou mal educada? Eu é que sou grossa então?!!!!! EU É QUE SOU GROSSA, É ISSO?!!!!! – eu já falava do alto dos meus pulmões, quando uma amiga interveio antes que a discussão evoluísse.

A cena me estragou. Porque não importava a quantidade de confete aquela festa fosse jogar para cima. Não importava o quanto às pessoas a minha volta fossem bonitas. Havia ali dentro pelo menos uma pessoa que me fez ter ódio de fazer parte daquilo tudo.  O champanhe que ele segurava custava pelo menos R$ 2.990,00 a garrafa – eu sei porque eu vi no cardápio –  um valor imensamente inferior ao que a funcionária devia ganhar por mês para tolerar engraçadinhos ridicularizando o trabalho dela.

A garota era negra, o que de fato me fez analisar todo o contexto histórico daquele momento e ficar com mais nojo. Nojo de mim, inclusive. E sem querer cagar regra de politicamente correta, eu me estraguei. Ganhei dela um sorriso de agradecimento em meio à discussão, mas não foi o suficiente para que eu não ficasse o resto da noite com o estômago embrulhado e querer ir embora dali.

Na volta pra casa, lembrei-me dos meus tempos de garçonete em Londres, quando servir as pessoas me tornava invisível. Isso que eu nem precisava trabalhar para sobreviver, já que eu estava morando fora e fazendo um MBA pago em parte pelos meus pais, ou seja, eu reconheço o meu lugar de privilegiada. Mas lembro também que desde então, não tem um dia sequer que eu não olhe nos olhos de quem está me atendendo ou me prestando um serviço, oferecendo as palavrinhas mágicas que mamãe me ensinou: por favor e muito obrigada, que diga-se de passagem, é a p**** do mínimo. Mas ainda que seja o mínimo, é meu jeito de garantir que pessoas que cuidam do meu bem estar ou do serviço que me oferecem, jamais sintam como se elas não importassem. Ou que por um minuto sequer, elas achem que são menos do que eu.

A situação toda da casa de shows me fez pensar que a gente vive jogando a culpa da enorme diferença social do país nos grandes poderosos, no governo e na educação – mas se esquece que a falta de educação não vê declaração de imposto de renda. A falta de educação de gente “esclarecida” oprime nos pequenos e grandes atos, e faz a diferença na menor das unidades da sociedade, uma pessoa só pode fazer um estrago.

Aí, meu velho, não adianta ter poder aquisitivo para gozar de champanhe de R$ 2.990,00 (que é um direito todo teu), quando a sua atitude não vale nada. Prestemos todos atenção em como as pessoas que nos relacionamos tratam as pessoas que as servem. Em qualquer circunstância – do garçom do boteco ao gerente do banco, pois são ótimas oportunidades de aprendizado e de filtro. E talvez seja a única maneira de começar a limpar a sujeira do nosso meio. Mas não com esfregão e um pouco de água, mas com doses cavalares de vergonha na cara e um bom fiasco quando necessário.

antonianodiva.com.br

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