dia de feira

Desde que eu me conheço por gente, dá para contar nos dedos os dias que eu fui à feira. Eu sei, parece um comentário classista, mas não é algo que eu fiz questão de colocar na minha rotina. O supermercado fica sempre tão mais perto, aceita cartão, tem ar-condicionado, estacionamento, frutas picadinhas e “plastificadas”. A gente não precisa carregar as coisas, tem carrinho, cestinha, escada rolante e elevador. Então por que diabos alguém iria à feira?

Nesta semana que passei em São Paulo, a minha anfitriã me obrigou a participar de sua rotina, que incluía, indiscutivelmente, uma ida a feira da Rua Antônio Bicudo, em Pinheiros, porque afinal, ela “precisava de couve” (nunca antes tinha ouvido alguém dizer que PRECISAVA de couve). Mas fomos buscar a tal da couve, ainda que um pouco contrariada. Já comecei desgostosa com a programação uma vez que para ir à feira tínhamos que levar dinheiro, e eu sou uma assídua usuária do dinheiro de plástico, quase que exclusivamente. Ok, juntei todas as moedas que estavam lá esquecidas, pegamos nossas sacolas ecológicas e o rumo da roça.

Nada de táxi ou transporte publico. Feira se usa tração animal, e lá fomos nós bater coxa pelo bairro Pinheiros. No caminho, brechós fofíssimos, o famoso e adorável Quitanda que me arranca suspiros (que tem cara de feira e o conforto de um supermercado). O bairro Pinheiros, apesar de localizado numa gigantesca metrópole,  tem clima de cidade pequena. Pessoas se cumprimentam, perguntam da vida de seus cachorros e trocam sorrisos pela rua. Um choque para uma gaúcha interiorana que já não sabe mais o nome de seus vizinhos. Deu-me saudade daqueles tempos em que a gente arrumava alguns minutos para se atualizar da vida de quem morava na porta ao lado.

A feira é uma baderna organizada. Ainda que eu seja uma mulher que não suporta a cultura do fiu-fiu, os elogios no caminho são gentis, e sempre focados na venda. “Uva verde da cor dos seus olhos, dona!”, um feirante comenta para a minha amiga. Ao chegar na barraca preferida, minha amiga já tem seu pedido semanal preparado e na ponta da língua – “dois abacaxis, duas maçãs verdes, um morango, e o abacate – Dona Patrícia, o abacate aumentou, já tô avisando, porque eu sou honesto. E não pega essa couve que não presta não, pega lá no João”, ele concluí, apontando para uma barraca a uns 3 metros dali. Outro feirante pergunta do Pablo, marido da Patrícia: “veio sem o segurança hoje, Dona Patrícia?” e ela sorri, explicando que ele estava trabalhando.

O João – aquele da couve que presta –  separa a melhor couve da banca, e nos presenteia com um cacho de uvas deliciosas. “Pra adoçar a vida, né?”, e me dá uma piscadela. Patrícia não tem todo o dinheiro que precisa para comprar uns tomates específicos da banca que ela é fiel (ela tem relação imutável entre produto Vs barraca A,B,C) –  o feirante interrompe a Patrícia em sua investigação a niqueleira – “tem problema não, dona Patrícia, a senhora tem crédito na casa, paga na semana que vem” – ofereço as moedas que tenho no bolso – “tem problema não, dona, paga na próxima”. Fico chocada com a confiança.

A Patrícia vai serpenteando todas as banquinhas, abanando para um, fazendo “high five” em outros. A moça do açougue sabe que ela gosta de filé de frango bem fininho, e por isso separou uma bandejinha meticulosamente cortada para ela. As duas fofocam como velhas conhecidas. “Tem mais uma do sul, né?” um feirante comenta a minha presença ao lado de Patrícia, e eu sorrio sem graça – “a minha alcachofra é a melhor, dona, não acredita em mais ninguém não, tá?”, ele termina me arrancando risos.

Peço para a Patrícia tirar uma foto minha em meio às hortaliças e verduras, como uma turista hortifrutigranjeira, quando outro feirante interrompe: “entra no meu carrinho dona” – ele aponta para um caixote que levava em cima de uma paleteira – “a foto vai ficar bonita”, garante. Não resisto e pulo dentro da caixa com restos de verduras, equilibro as sacolas cheias da feira e levanto o pezinho. E a foto fica linda.

Na volta já me sinto intima do local, com saudade não apenas das uvas verdes de degustação, mas da risada alta e papo solto do feirante que tem a alegria de quem parece ter a vida ganha. E de fato não tem a vida ganha, eu tenho certeza, mas tá lá todo dia, levantando a barraca bem cedo, faça chuva, faça sol, oferecendo o melhor atendimento que se pode encontrar. Fodam-se os carrinhos, o ar-condicionado, as frutas em bandejas metodicamente organizadas. Quando mesmo nós nos transformamos em viciados irrecuperáveis em grandes redes, sacolas plásticas e agrotóxicos? Feira é barulho, é cheiro, é contato humano, é risada, é o cumprimento faceiro, e o “volte sempre” sincero. Feira é vida. E é muito mais super, que qualquer supermercado.

antonianodiva.com.br

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