Atlântida

Deixa eu te contar que o mundo tá chato há um bocado de tempo. O mundo tá chato há milênios. Olha, para as mulheres, os gays, os negros, e para as pessoas que não estão inseridas no padrão de beleza ou nas classes privilegiadas, o mundo sempre foi chato.

Sabe quando você era criança e ficava rindo daquele seu coleguinha que não gostava de futebol e que ficava mais com as meninas do que com os meninos? Pois é. Pra você podia ser uma diversão. Eu aposto que pra ele era bem chato. Você sabia que os crimes contra gays no país cresceram 31%, apesar de não haver no Brasil, estatísticas oficiais de crimes de ódio? Além do crescimento na quantidade de assassinatos, menos de 10% dos assassinos são presos e punidos. Chato, né?

Ou talvez você não saiba como é chata aquela sua mania de dizer “Ah! Mas o rosto dela é tão bonito. Se ela emagrecesse teriam filas na porta dela”. Chega aqui pertinho e deixa eu te contar: isso é chato pra caralho. Ou você não consegue se lembrar daquela colega gordinha, que você ficava tirando sarro na educação física? Podia ser hilário pra você. Pra ela era chato pra burro. Era insuportável, eu diria. Talvez você fique perplexo em descobrir que segundo estatísticas da Organização Mundial da Saúde, tirar a própria vida já é a segunda principal causa de morte em todo o mundo para pessoas entre 15 e 29 anos de idade, muitas delas por não se sentirem dentro dos padrões exigidos. Mas que chatice isso, né?

Ou sobre como respeitosamente discordando do Morgan Freeman que falou que “O dia em que pararmos de nos preocupar com Consciência Negra, Amarela ou Branca e nos preocuparmos com Consciência Humana, o racismo desaparece”, acredito que o silêncio nunca é uma solução. O preconceito só acaba, quando acaba o nosso silêncio. Ele é silencioso, pois silencia suas vítimas. “Quem cala, consente”, jamais serviu tão bem pra alguma situação. Se alguém faz uma piada ou comentário preconceituoso, você precisa sim se posicionar. E como disse brilhantemente Leandro Karnal “Atrás de um fofoqueiro existe um ressentido, atrás de um homofóbico existe um mal resolvido, atrás de uma pessoa ácida e cruel existe alguém absolutamente infeliz e miserável”.

Imagine, por exemplo, que chato era ser escravizado só por causa da sua cor? Horrível de chato, né? Chato você tratar alguém diferente por causa da pele ou achar que realmente é conveniente ou engraçada uma piada que diminui alguém por ser negro, ou português, ou chinês…. ou simplesmente por ser diferente. Sinceramente, sou fã das diferenças. Que bom que o nosso mundo é composto por tanta diferença. Imagina que chatice seria viver com pessoas iguais. Só a diferença é capaz de nos fazer exercer sentimentos como a tolerância, o respeito e o perdão.

Chata é essa sua mania de justificar o machismo e a misoginia com argumentos do tipo “sempre foi assim” ou discriminar movimentos como o feminismo dizendo que é “coisa de mal comida”. Chato é você ser incapaz de olhar com olhos bondosos para os problemas dos outros. Isso é muito chato. Essa sua falta descarada de empatia. Chato é você justificar tratar o professor mal só porque “paga o salário dele”. Aquela sua piadinha dos judeus, aquele comentário sobre como a “fulana tá gostosa pra caralho”, aquela sua mania de tratar o garçom mal. Se você soubesse como isso é chato, talvez você parasse. Ou não.

Mas eu sinto muito que as pessoas agora impliquem com aquela sua piadinha racista, machista e que alimenta estereótipos – ironia. Deixa eu te contar uma novidade. O mundo não tá chato. O mundo sempre foi chato. O mundo só tá de saco cheio desse teu preconceito. Você não é só chato, só preconceituoso, só desrespeitoso e só ignorante. Não.

Você é infeliz.

Esse texto foi um complemento ao excelente vídeo do Porta Dos Fundos: