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Incômodo. Essa foi a primeira reação que tive ao vislumbrar pela primeira vez a campanha da Vogue Brasil, estrelando Cléo Pires e Paulinho Vilhena como dois atletas paralímpicos. “Somos todos paralímpicos” alegava a chamada da campanha. Deu-me um nó na garganta. “Será que somos?”, pensei comigo, com tudo que isso implica sem o Photoshop. Fui atrás de informação, como faço sempre que o tema me perturba a ponto de eu não conseguir formar uma opinião. O comitê paralímpico endossou a campanha e os atletas gostaram. Ponto positivo. Os atletas paralímpicos usados para inspirar a campanha estavam junto durante as fotos, mas não estrelaram a campanha. Ponto negativo. A internet vai à loucura e desaprova a campanha pela falta de representatividade. Ponto positivo. Cléo acusa os brasileiros de hipócritas. Ponto negativo.

Entre pontos positivos e negativos, essa campanha me lembrou imediatamente outra situação que me deixou igualmente confusa. O clipe “Your armies” de Barbara Ohana estrelando Cauã Reymond como uma transexual. A pergunta que uniu o público nos dois casos: por que não convidar pessoas que vivem essas situações para protagonizarem estes papéis?  Tanto no caso Cauã Reymond, como na dobradinha de Cléo e Paulinho como embaixadores dos Jogos Paralímpicos, a justificativa foi a mesma: usar atores globais para chamar a atenção às lutas das minorias. Plausível, até certo ponto. Mas será que a única maneira de fazer isso é utilizando rostinhos conhecidos como protagonistas?

Fui além do meu lugar de fala. Não sou transexual, e sendo assim, não me cabia julgar o uso de Cauã. Questionando Divina Raio Laser, uma exuberante representante da causa LGBT sobre o clipe, Divina foi categórica: “precisamos reconhecer aliados, Cauã foi um aliado no tema da violência contra as mulheres trans”. Sobre a campanha da Vogue, fui trocar uma ideia com a Paula Pfeifer Moreira, autora do blog Crônicas da Surdez, e deficiente auditiva. Paula, diferentemente de Divina, não se viu nem representada e nem com aliados: “ainda que fossem atores engajados com a causa da deficiência física, eles não representaram ninguém, os atletas deviam estar ali”.

Analisando as reações, a maioria das críticas caiu sobre o uso de Photoshop para “decepar” os membros de Cléo e Paulinho. Os criadores da campanha defenderam-na alegando que os atores estavam representando os atletas Bruna Alexandre do tênis de mesa, e Renato Leite do vôlei sentado.  “Close errado”, “sem representatividade”, “roubando protagonismo” foram alguns dos julgamentos mais comuns, e o que de fato nos fez pensar sobre discurso e comunicação.

Conheci tanto Divina como Paula Moreira em um debate sobre representatividade. Uma das conclusões deste painel de discussões foi que nós até podemos fazer uso do nosso ponto de vista para fortalecer a voz das questões que não nos competem – deficiência física, LGBT, feminismo negro, etc. Mas é importante SIM entender a diferença do nosso lugar de fala e do lugar de fala de quem VIVE estas situações. Ter uma posição sobre um assunto, não é ocupar o lugar de fala do outro, mas sim, ocupar um lugar AO LADO DO OUTRO. Neste caso, o público queria mesmo era ter visto atletas paralímpicos, ainda que Cléo e Paulinho estivessem ao seu lado na campanha.

A publicidade, marcas, empresas ainda vão aprender muito sobre representatividade de discurso, pois já entenderam que o grande público não vai mais tolerar celebridade roubando o lugar de fala de ninguém. Isso já virou uma questão de respeito, muito mais que de liberdade criativa. A nossa parte, entretanto, pode ir muito além das críticas nas redes sociais, como por exemplo, com a nossa atitude no dia a dia. Respeitando vagas destinadas a deficientes, não usando elevadores destinados a cadeirantes, cobrando e monitorando que prédios e calçadas tenham estrutura de acessibilidade, e tratando a todos estes cidadãos com dignidade e respeito.  No fundo, muito mais que estrelar uma campanha da Vogue, portadores de deficiência física querem sua liberdade de ir e vir. E claro, querem ser os donos do próprio lugar de fala. Fica a dica, Vogue.

Por sinal, a Vogue já tinha dado uma dentro, colocando o portador de deficiência física no lugar dele. E com sua própria beleza. Não é difícil fazer bonito, não é?

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