tequila

David Coimbra, senta aqui, vamos conversar. A gente sabe que você é um escritor consagrado, colunista reconhecido, e um articulador voraz. Mas a gente também sabe que todo mundo tem sempre um bocado a aprender, e por isso o nosso convite. Queremos te chamar para uma rodada de tequila. É verdade. Você, tequila e nós mulheres. Calma, David, não fique convencido, o nosso interesse está na sua cabeça de cima, aquela que bola os teus textos. Como o texto Nua, numa cama estranha.

Sabe, David, nós mulheres, assim como a maioria das pessoas, gostamos de um pilequinho de vez enquanto, e até aí tudo bem. Quem nunca acordou sem as memórias de uma noite regada a álcool, não é? Imagino que você e seus amiguinhos também, em algum momento,  já saíram da casinha, e acordaram sem lembrar onde estavam as calças, não é? O que acontece, é que mais do que nunca, o consensual toma sua justa importância nestes cenários e diálogos. E consenso no sexo, é tudo, David. Se sua personagem Letícia acordou nua numa cama estranha por livre e espontânea vontade, ainda que com a torcida de José Cuervo, ficamos felizes por Letícia. Por ela, pelo sexo dela, pela escolha dela.

Entretanto, entendemos que o seu texto trata do assunto com alguma leviandade, uma vez que Letícia acorda sem lembrar das escolhas que fez (ou mesmo de quem as fez para ela).  Sabemos que você escreveu uma crônica, com teor ficcional, só não vamos esquecer que estupro de vulnerável (e pessoas alcoolizadas podem ser vulneráveis) é uma realidade nada fictícia. Uma realidade que assombra milhões de pessoas pelo mundo – na sua imensa maioria, mulheres. E é nelas que a gente quer que você pense. Até porque tem um monte de cabecinhas em formação que leem os teus textos, sendo você um formador de opinião, e eles podem achar que está tudo bem transar com uma mulher sem plenas condições de discernimento. A gente sabe que você não quer isso.

David, mas a gente não quer brigar, por isso o convite é para uma conversa. Conversa e uma tequila, se você achar que ela pode te ajudar a pensar melhor. (Não parece ter sido o caso de Letícia, mas ainda assim o convite tá de pé). A gente queria te chamar para um papo, para falar sobre o alto índice de abuso sexual no ambiente de trabalho. Sabia que na semana passada o CEO bastantão  Roger Ailes foi obrigado a resignar de seu cargo na gigante Fox News, depois de denúncias de assédios sexuais contra a colega e ancora Gretchen Carlson? Você trabalha em um jornal, imagina o desconforto de ter de fazer o próprio trabalho, desviando das investidas de alguém em um cargo superior. Eu entendo, caro David, talvez você nunca tenha passado por isso, e por isso que a gente quer te chamar para esse papo. Para você entender o que é calçar os nossos sapatos no mundo corporativo. Vem conversar. A tequila fica por nossa conta.

Sim, por nossa conta. Porque neste novo contexto de mercado, nós mulheres, adoramos o nosso lugar na milícia das empoderadas. Veja, há muito tempo atrás, como é tratado em seu texto, favores sexuais eram-nos exigidos como parte do currículo, e este era um comportamento corriqueiro na alta gestão dos mais diversos setores. Hoje, David, nós entendemos que essa opressão não será mais aceita. Verdadeira ou fictícia. Isso porque a gente rala, estuda, trabalha, e não vai aceitar o órgão sexual de ninguém em troca do nosso lugar de direito. Eu sei, não foi isso que você quis dizer no texto. Letícia estava tendo apenas um dia de muita sorte no trabalho, não é? Ainda assim, é importante que fique claro, que compensação nenhuma – ainda que de 50% – faz calar a sensação de um abuso. “Mas quem disse que foi abuso?”. Bom, que fique bem claro então, nesse nosso papo, que promoção no mundo dos sensatos, se deve a desempenho no trabalho, e não na cama após uma noitada de tequila.

Mas David, de novo, a gente não quer se desentender contigo, é justo o contrário que nos interessa. Sabemos que você é um grande fã das mulheres, talvez esteja apenas te faltando tempo ou esclarecimento para escrever histórias que nos são mais dignas. Talvez com um bom papo conosco, e algumas tequilas, você também seja promovido. Promovido a um escritor que nos representa. Já pensou que bacana?

Fica aqui o nosso convite!

Beijocas, ATL Girls.

P.S.: sabemos que o texto republicado hoje é original de 2004. Queremos saber de você, o que mudou desde lá. 😉

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