marilugar de fala

Você já ouviu falar em lugar de fala? Talvez você faça parte de um grupo seleto que sabe o que esse termo significa. Lugar de fala, que pode ser caracterizado por duas palavras: empatia e respeito. Eu prefiro resumir como o dever de dar aos protagonistas de cada movimento, seu protagonismo de direito.

Nunca gostei de política. Sou filha de dois emergentes que nasceram pobres, mas que, com ajuda das políticas da época, conseguiram se formar e melhorar suas condições. Graças a isso estudei a vida toda em colégio particular ao lado de pessoas que hoje estão em dúvida entre comprar aquela bela caminhonete ou aquele smart. Sou branca. Nunca passei fome. Nunca fui parada por policial na rua. Nunca andei com medo de apanhar por andar de mãos dadas com o meu companheiro. Nunca fui seguida ou maltratada em uma loja. E com pesar, admito, sou privilegiada e sou exceção. Tive todas as oportunidades e, apesar de ter crescido ouvindo que arte e jornalismo eram bonitinhos, mas que eram profissões de arruaceiro (isso quando arte era considerada profissão), aqui estou eu com as minhas futuras profissões, jornalista, escritora e cantora.

Segui odiando política. Eu não via ela acontecer pra mim e é exatamente aí que quero chegar: o ser humano tem essa mania de ser incapaz de sentir empatia pelas outras pessoas e reconhecer que, talvez, SÓ TALVEZ, algo que não seja feito para ele, possa acarretar em mudanças positivas na sociedade na qual ele vive. Sei que esperar solidariedade, compaixão e identificação, é esperar muito. Parece ser muito difícil encontrar pessoas que vibrem com as conquistas dos outros, mas eu não desanimo, sei que elas existem. Meus pais sempre me ensinaram valores que vão muito além dos materiais (caráter, empatia, respeito, solidariedade e afins). Eu sempre tive o dom da empatia. Sei muito bem me colocar no lugar das pessoas, mas o lugar de fala é muito mais do que isso e envolve também a nossa capacidade de escutar.

Quando eu entrei na faculdade, comecei a me interessar por política. Aprendi a olhar para os lados. Estudei todo o contexto do racismo, homofobia, xenofobia, e percebi que o feminismo não era um movimento de um monte de mulheres sem sutiã que odiavam os homens. Foi nesse período que eu enxerguei algo assustador: eu não sabia nada sobre movimentos sociais até os meus 17 anos. No máximo, escutei em uma aula aqui e outra ali com aquele professor diferenciado que, além do conteúdo, nos ensinava a viver enxergando nossos privilégios, que são MUITOS. Sabe por quê? Porque essas questões são esquecidas na nossa formação social e a procura pelo conhecimento delas é totalmente pessoal, mas no final do mês temos aquele carnê pra pagar, aquele best-seller pra ler e aquela série maravilhosa que sai todo domingo e não sobra tempo pra pensar em algo tão “esquerdinha”, certo? Errado. Bem errado. A empatia, da última vez que eu chequei, era apartidária e não tinha absolutamente nenhuma relação com ideologias religiosas e/ou políticas.

E onde entra o lugar de fala nisso tudo? Precisamos entender que todo lugar de fala precisa vir acompanhado de um lugar de escuta. Como assim? Vou explicar. Faça a experiência de se colocar no lugar dos outros antes de julgar uma situação. Como exemplo podemos pegar aquela sua amiga mulher que postou um textão falando sobre um assédio que ela sofreu e você, sendo homem, não sabe como é. Podemos pegar também o exemplo daquele seu amigo negro que se ofendeu com aquela “piadinha” que em você não despertou a mesma revolta, talvez porque você seja branco e não tenha conhecimento e dimensão do que essa “piadinha sem maldade” pode causar, né? A gente precisa entender quando é o nosso momento de lugar de escuta.

A desconstrução dos preconceitos é um exercício diário que exige muito esforço, paciência e que passa por se desconstruir, em primeiro lugar. E, acredite, eu sei como é difícil se desconstruir, exige que a gente saia da zona de conforto e aprenda a olhar com os olhos dos outros, ouvir com o ouvido dos outros e sentir com o coração dos outros. Infelizmente, eu sei que é ingenuidade acreditar em utopias, mas como uma grande apreciadora de clichês, vou parafrasear Mahatma Gandhi, o defensor da forma pacífica de protesto, dizendo que precisamos ser a mudança que queremos ver no nosso mundo.

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