mãe antonia

Quando era criança, certa vez perguntei para a minha mãe qual foi a sensação que ela teve ao descobrir que estava grávida de mim, sua primogênita. Na ocasião ela sorriu, me beijou a testa e me disse que no dia em que descobriu que eu nasceria, ela entendeu que jamais estaria sozinha e que aquele era o maior conforto que ela já havia sentido. Lembro que na época achei graça e até considerei certa ingenuidade da parte dela, disse “não seja boba mamãe, quando eu for adulta não tem como você estar comigo o tempo todo”.

E assim eu cresci. E por vezes optei por caminhos em que ela e eu não podíamos estar juntas. Eu mudei de casa, eu mudei de país, eu mudei minha cabeça.  Entretanto, mesmo que lidando com a distancia física ou situações da vida que nos afastaram, a minha mãe conseguiu a proeza de nunca me deixar andar sozinha. A cada passo ela estava lá, acompanhando a direção. Ela atendeu a todas as feridas das minhas quedas, assoprou meus joelhos ralados e disse que um dia a dor ia passar. Ela me ajudou a levantar de cada tropeção, e me explicou que eles me ensinariam a ter equilíbrio. Ela manteve-se paciente e alerta quando eu insisti em escolher o caminho errado para que eu pudesse aprender com os meus próprios erros, e me ajudou a voltar para os trilhos sempre que mudei de ideia. Ofereceu-me o ombro toda vez que tive dúvida do meu destino. E repetiu este zelo e acompanhamento próximo com cada um dos outros três filhos que ela colocou neste mundo.

Quando em outubro do ano passado o meu irmão partiu, eu entendi o desespero da minha mãe. Ao entrar nos céus, o meu irmão o fez sozinho, e para a minha mãe, não poder acompanhá-lo, era assustador. Não era justo, de certa forma, porque o meu irmão tinha nascido na companhia da minha mãe e mudar isso parecia uma traição da vida e uma injustiça com qualquer pessoa que cria amor dentro do umbigo. Nessa nova condição, se o meu irmão estivesse com medo, minha mãe não poderia mais confortá-lo. Se estivesse brabo, ela não poderia mais acalmar suas angustias e revoltas. Lá em cima ela não poderia mais conduzi-lo, orientá-lo, apoiá-lo nesta grande mudança que é a troca de planos. Ou seja, ela não teria apenas que abrir mão da companhia de seu rebento, mas se viu obrigada a abdicar em parte do que fundamentalmente dava sentido a sua existência. Com a partida do meu irmão, a minha mãe podia apenas confiar na ideia de que alguém muito maior que ela, cuidaria de seu filho. E convenhamos que para ser digno da responsabilidade de substituir uma mãe, só Deus mesmo.

Há uma semana, em um jogo do campeonato Holandês, a torcida do Go Ahead Eagles prestou uma homenagem ao goleiro Jelle Ten Rouwelaar do time adversário NAC Breda. Aos 61 minutos do jogo, a torcida inteira colocou-se de pé e homenageou a mãe do goleiro, que partiu aos 61 anos, cantando a música You’ll Never Walk Alone, “Você nunca andará sozinho”.  Rouwelaar emocionou-se com o carinho da torcida adversária e certamente com a saudade da mãe. Eu entendi a dor do goleiro ao assistir o vídeo da homenagem, imaginando que nada poderia ser mais difícil do que seguir caminhando sem o olhar protetor de minha mãe. A torcida inteira entendia a tristeza causada pela partida daquela que torceu por Rouwelaar a vida inteira.  A mensagem da música, entretanto, foi o que mareou os meus olhos.  “Você nunca andará sozinho”.

Analisando a partida do meu irmão, filho de uma mãe, e a partida da mãe de um filho, como a do goleiro Rouwelarr, queria que houvesse uma intervenção divina para que a ordem natural da vida jamais invertesse o seu curso, e talvez isso seja egoísmo meu. Ainda assim, e respeitando de que a vida é muito mais aleatória do que previsível, entendi finalmente o sentimento da minha jovem mãe ao deparar-se pela primeira vez com a notícia de que eu ocupava o seu ventre. Ela soube naquele momento que os vínculos criados na maternidade são imensamente mais fortes do que o que separa o céu da terra. Sei que meu irmão jamais estará sozinho, pois minha mãe segue seus passos em suas orações. Sei que o atleta holandês tem sua mãe zelando por ele, nem que seja através das vozes da torcida adversária. Mãe é pra sempre.

Então queria respeitosamente dedicar este texto a memória e saudade de todas as mães e filhos que não poderão estar juntos neste domingo comemorando o dia das mães. E lembrá-los, de que não importa que caminho tomem… vocês nunca andarão sozinhos.

antonianodiva.com.br

You’ll never walk alone
When you walk through a storm
Hold your head up high
And don’t be afraid of the dark
At the end of a storm
There’s a golden sky
And the sweet silver song of a lark
Walk on through the wind
Walk on through the rain
Though your dreams be tossed and blown
Walk on, walk on, with hope in your heart
And you’ll never walk alone
You’ll never walk alone.

Você nunca andará sozinho
Quando você andar através de uma tempestade
Mantenha sua cabeça erguida
E não tenha medo do escuro
No final de uma tempestade
Há um céu dourado
E a canção doce e prateada de uma cotovia
Ande pelo vento
Ande pela chuva
Embora seus sonhos sejam lançados e soprados
Caminhe com esperança em seu coração
E você nunca andará sozinho
Você nunca andará sozinho


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