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Lembro-me da primeira vez que vi “Ghost: do outro lado da vida” e fiquei absolutamente envolvida com a trama. E aqui não falo de Patrick Swayze e Demi Moore se embarrando com cerâmica com sexy appeal MODE ON. Não. O que me estarrecia naquela história era a determinação de duas pessoas em manter um vínculo além dos planos. Na época me questionava exaustivamente da onde vinha aquela força, porque entendia que paixão nenhuma – mesmo que envolvendo o cara que disse “nobody puts baby in the corner em Dirty Dancing – valia tanto esforço. E essa concepção me acompanhou a vida toda, mudando apenas no dia em que eu perdi o maior amor da vida. O meu irmão Leonardo, como já foi mencionado em alguns posts aqui e ali, partiu me deixando com um desejo sobre-humano de manter uma conexão com o além-da-vida. Podia ser por skype, snapchat, whatsapp no caso do “andar de cima” ter wi-fi, mas aceitaria também uma versão old school através de uma oração, um sonho, um suspiro ao vento, que fosse. Eu procuraria Whoopi Goldberg se soubesse que ela me ajudaria. Mas o fato é que eu não precisei dela. E isso tem sido surpreendente, na parte mais literal da palavra. 

Você pode ter a crença que quiser, ou fé nenhuma sobre qualquer coisa. A sua relação com pós-vida se transforma completamente quando um desprendimento deste tamanho acontece. O cara não era só meu irmão, mas alicerce pra minha serenidade, e rejunte da minha alegria. Sua partida foi minha própria demolição – estrondosa, dolorida, e me deixando em destroços. Após relativo curto tempo da nossa despedida, estranhos episódios passaram a acontecer, me fazendo reavaliar aquilo que pensava acreditar sobre a conexão entre cá e lá. O que tenho aprendido (de forma autodidata, visto que ainda não estou pronta para buscar esse conhecimento) é que se conseguirmos olhar além da dor da separação, poderemos ver que alguns traços de amor seguem se fazendo presentes mesmo quando a vida acaba. É difícil dizer isso sem parecer uma fanática, desvairada ou alguém completamente corrompida pelo luto. Acontece que ainda que lá de cima, o meu irmão conversa comigo de inúmeras maneiras, o que me faz jogar para o alto todas as minhas dúvidas sobre fé, Deus, paraíso, além – dúvidas que o próprio Leonardo tinha. Calma, não me julguem louca ainda.

A primeira vez que aconteceu foi quando em dado momento após o falecimento do meu irmão, tive um surto de fúria extrema sobre determinada situação, como tive em inúmeras vezes na minha existência “esquentadinha”. Em todas estas ocasiões, era o Leonardo que persuadia a troca do meu humor. Naquele dia de raiva, mesmo sem a presença física do meu irmão, senti uma força peculiar sobre a cabeça. Dentro dela soava uma orientação prática e lúcida, algo como: “Menos, ohh loka. Respira e sossega, não vai quebrar a cara de ninguém não”. Nada como “Irmã, procure ser uma boa alma, e eleve seu pensamento – lembre, não agirás contra outro ser de luz”, como diria um anjo . Não, nada disso. Nada divino ou com ar superior. Foi um peteleco na orelha como o meu irmão faria, mostrando-me de novo e como sempre, que eu estava exagerando naquela reação. Não ouvi vozes, não senti um arrepio na espinha. Eu me acalmei gradativamente, como tantas vezes aconteceu com ele conversando comigo no sofá da minha casa. Imaginação? Alucinação? Ou simplesmente a prova que precisava de que certas coisas não se encerram?

Desde então, quando tenho dias difíceis de saudade, o céu costuma abrir como se estivesse brilhando pra mim, numa lembrança irredutível de que a vida deve continuar bela, principalmente através dos meus olhos. Se por algum motivo me pego lembrando os affaires do meu irmão, ironicamente no mesmo dia encontro um livro dentro de uma velha gaveta dele sobre uma bela história de amor, do jeito que imagino que seria a dele. Ou se fico aflita questionando os porquês de ele ter partido, ganho outro livro cujo personagem principal passou pela mesma transição, mostrando-me que a vida sabe mesmo ser improvável e às vezes, muito curta. Note que eu não escolhi o livro, mas sim o ganhei de alguém que nada sabia sobre o meu luto. Coincidência? A “música secreta” dos irmãos  – aquela que ele cantarolou em um áudio de whatsapp junto com seu último “te amo, irmã” – é lembrada e enviada randomicamente por uma amiga minha que mora na Austrália numa quinta-feira difícil. Encontro nossa palavra preferida em lugares atípicos, e assim, disparo os sorrisos reservados só pra ele. Desde que meu irmão se foi, minha rotina é rodeada por passarinhos, que surgem estranhamente dentro da minha garagem, e pousam sobre a porta dianteira do motorista quando eu entro no carro. Ou batem com seus bicos na janela do meu quarto, no dia em que decido que não quero sair da cama. É como se através deles meu irmão dissesse “olha aqui fora, vem pra rua ver que dia lindo”. O mesmo acontece com a minha mãe e as borboletas – que aparecem em lugares improváveis, pousando gentilmente sobre os ombros dela. Preciso lembrá-los de que era aquela que nunca acreditou nestas coisas?

Ok, talvez esteja vivendo um momento de estresse pós-traumático por ter perdido o meu melhor amigo. Ou ainda esteja nutrindo uma ilusão para poder suportar meus dias sem ele. Quiçá eu force essas estranhas coincidências que me enchem de propósito, já que a rotina, minhas tarefas, o ano novinho de 2016, e a própria vida ficou um pouco sem sentido. Sim, pode ser que eu esteja maluca. Ainda assim, prefiro acreditar que a minha história com o meu irmão, continua além da vida. Histórias como aquelas cujos laços são tão fortes que não se desamarram, apenas se esticam. Ou forças de atração que não podem ser vistas, como a gravidade ou o magnetismo, mas que são impossíveis de não serem sentidas. Quando tenho medo destas sensações, no mesmo dia minha mãe me liga pra dizer que foi numa médium que pediu pra me avisar pra não temer e deixar fluir – conselho este que eu nunca pedi. Pudera, alguém lá em cima sabe muito bem como eu sou. E entende que eu preciso de uma forcinha.

Sei que tudo isso parece o declarar de uma biruta, e possivelmente seja usado contra mim alegando instabilidade emocional. Posso até não ter plena convicção da minha sanidade (e quem tem?), mas não tenho dúvidas de que a minha conexão com aquele moleque veio de outras vidas. Então não me surpreende que siga também na próxima. Se eu pudesse dar um conselho para qualquer pessoa que perdeu alguém especial, diria para prestar atenção nos detalhes. Eles vão te lembrar de que muito embora nossa passagem terrena acabe, o amor pode sim vir do outro lado da vida.

antonianodiva.com.br

P.S.: Vou deixar aqui a “música secreta” dos irmãos – cuja letra, também é longe de ser uma coincidência 😉

 

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