foto3

O dia 25 de novembro foi declarado Dia Internacional da Não – Violência contra a Mulher, data escolhida durante o primeiro Encontro Feminista da América Latina realizado em 1981 para homenagear as irmãs Mirabal, heroínas da República Dominicana, que foram brutalmente assassinadas em 25 de novembro de 1960. Talvez a grande maioria de nós não soubesse da data não fosse a campanha que rolou ontem nas redes sociais utilizando a hashtag #meuamigosecreto. O movimento que viralizou rapidamente nesta quarta-feira, levou milhares de pessoas a divulgarem situações cotidianas que reforçam que temos um longo caminho para o fim de uma sociedade patriarcal e o início de tempos mais dignos, seguros e igualitários para as mulheres.

Eu, como toda mulher, tenho a minha cota de histórias com #meuamigosecreto. Mas tem sempre uma que nos marca profundamente por transformar-nos de autora a vítima dentro da nossa própria história. Quando era mais nova o #meuamigosecreto me convenceu que nossa relação abusiva, era prova que “ele se importava”. O #meuamigosecreto também se sentia intimidado porque eu ganhava mais, entretanto não tinha o menor constrangimento em pegar dinheiro da minha carteira sempre que julgava necessário. O #meuamigosecreto justificava a disfunção erétil dele dizendo que, vez que outra, não segurava o troço duro porque eu estava ficando gorda. O #meuamigosecreto certa vez me segurou pelo pescoço porque falei algo que “desrespeitou sua posição de homem”. O #meuamigosecreto já me deixou de braço engessado porque “perdeu o controle sem querer”. O #meuamigosecreto fez uso do meu medo para manter-se “amigo” e da minha vergonha para ser “secreto” por muito tempo.

O #meuamigosecreto não parecia um monstro a luz do dia, (eles normalmente não parecem). Qualquer garota viraria o pescoço por ele se o encontrasse na rua. Entregar-se-ia a sua pinta de príncipe moderno sem pensar duas vezes, como eu fiz. Parte da “elite branca, bem educada e de boa família“. Eu, que pertencia ao mesmo círculo social, círculo esse o dos privilegiados, me vi calada e coagida, mesmo com estrutura e apoio. Eu demorei três anos para sair daquele cenário de abuso e intimidação, e pra sair precisei coragem e também fazer as pazes comigo mesma.

A pior parte da violência contra a mulher, é que de alguma forma muito doente, somos convencidas de que merecemos ou promovemos a violência. A língua solta, um atrevimento, uma insolência, uma saia curta. É uma síndrome de Maria Madalena que nos foi incutida desde a primeira versão da Bíblia, de que merecemos o apedrejamento público para aprendermos nossas lições e entendermos o “nosso lugar”. O movimento de ontem, como tantos outros durante os últimos anos, estão provando que nós, as “meretrizes”, estamos saindo debaixo das pedras, montando com elas uma barricada e dizendo em coro “Deu! Agora já chega”.

E não é porque o assunto é tratado nas redes sociais que deveria perder valor ou virar piada. Não deveria perder valor porque É um assunto de âmbito social, logo, o uso das ferramentas de discussão disponíveis se faz mais do que necessário. Não deveria virar piada porque violência é assunto sério, e aumentou em 54% o número de mortes de mulheres negras das periferias latino-americanas nos últimos 10 anos, e mais da metade destes óbitos são provocados pelos companheiros e familiares destas mulheres, dentro de suas próprias casas. Então antes de alegar que “the zueira never ends“, pensa na mãe – aquela que todo mundo tem (ou no quanto engraçado soam as palavras “mutilação genital”, “estupro”, “aborto”).

Fato é que cada vez mais abriremos mãos destes “amigos” e cada vez menos permitiremos que eles sejam secretos. E homens e mulheres inteligentes reconhecem a importância deste tipo movimento e reforçam o ideal de separar o joio do trigo. Essas discussões estão aqui justamente para encerrar com o generalismo de que “homem é tudo igual”. Não são, e nós queremos justamente revelar esses #meusamigossecretos que andam por aí, pois cansamos de receber deles violência disfarçada de presente.

Então, se ainda não ficou claro, vai ter “vamos fazer um escândalo”, vai ter hashtag, vai ter campanha, vai ter Maria da Penha, vai ter tudo que for preciso pra amiga nenhuma sofrer mais em segredo. A briga agora é com tod@s nós!

Ah, e para aquele #meuamigosecreto, que agora já não é mais amigo, e por aqui também não será mais secreto, um conselho: eu não tenho mais medo, então muito juízo pra você. (E viagra, eventualmente.)

antonianodiva.com.br

7abc6e25c0fbd2903731a9c2ae19f77e