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Todo mundo tem um carma. E na maioria das vezes, a gente atribui o peso dele a uma causa externa. Eu por exemplo, tive um namorado cujo término do relacionamento foi na amargura. 10 anos se passaram e encontrar com ele ainda me causa mal estar. Imagine você, uma década depois, eu ainda entregar aquela pessoa o poder de me causar desconforto. Não suficiente, o destino achou hilário colocar ele no meu caminho a toda hora e nas ocasiões mais randômicas, para eu me deparar com aquele sentimento de novo e mais uma vez. Pra mim, aquele ex era meu carma. E como dizem por aí, “karma’s a bitch!”.

Essa semana me peguei procurando orientação espiritual para dilemas mais profundos que ex-namorados, e novamente dei de cara com o assunto carma. A líder espiritual da palestra que assisti, explicava sobre o efeito de nossas escolhas e atitudes quanto àquilo que a vida nos apresenta. E disse que carma ia se apresentar de várias formas, até que o aprendizado e o perdão pudessem, enfim, serem abraçados. Lembrei-me novamente do tal do ex. Dei-me conta que desde então, colecionei mais dois relacionamentos – profissional e familiar – que me apresentavam as mesmas dificuldades do relacionamento que abri mão há 10 anos. Eu não tinha aprendido a minha lição. Mais que isso, não tinha perdoado quem havia me machucado – e agora me via presa num mal estar constantemente por escolha própria. Difícil, não?

Comecei a pensar nas situações em que eu me prendia pela dificuldade de perdoar e deixar livre. E carma não se apresenta apenas em forma de pessoas que cruzam nosso caminho, mas em situações que desafiam o nosso modus operandi. Lembro que certa vez fui pra praia, e no primeiro dia das férias assaltaram meu carro. Na ocasião liguei chorando pro meu irmão que disse “Ok, mas não se abale tanto, ou então VOCÊ PERDE DUAS VEZES”. E ele estava certo ao chamar a minha atenção. Se ficasse lamentando o meu infortúnio, perderia também toda a alegria das férias programadas. Não que a mudança de atitude fosse simples, mas não deveria haver dúvidas de que era necessária, não é?

Li essa semana um texto muito bacana sobre a derrota da lutadora Ronda Rousey para a desafiante Holly Holm. O texto enfatizava o aprendizado envolvido naquela surra, sim, porque não foi apenas uma derrota, a então campeã levou uma surra em praça pública. Talvez Rousey não houvesse perdido para Holm, mas sim para sua própria falta de humildade ao encarar o desafio. E perdoar a surra e não se agarrar a derrota poderia fazer dela uma atleta ainda melhor, aprendendo talvez, justamente aquilo que faltou. Humildade.

Fiquei pensando o que teria acontecido com Malala (documentário estreia no Brasil hoje!) se ela tivesse enchido seu coração de ódio após o atentado contra ela em 2012. As bala disparadas contra a jovem paquistanesa poderiam ter tirado Malala de sua missão, seu carma sagrado – podiam ter tirado-lhe a vida, pelamordedeus! Mas não tirando sua vida, Malala escolheu que também não a tirariam do seu propósito, do seu carma. Ela perdoou seguindo adiante. Quando o viúvo Antoine Leiris escreveu aos terroristas dos atentados de Paris vocês não terão o meu ódio” ele estava também dizendo, “vocês não mudarão o meu caminho, vocês são ganharão mais do meu sofrimento”. Talvez se ele abraçasse o ódio, ele perderia duas vezes. Ele abriria mão do seu carma de ser livre e feliz ao lado do pequeno filho Melvil.

E assim, dentro de nossos próprios dilemas tão mundanos, fico pensando se de fato não é a nossa bondade, humildade e perdão que deveriam ser mais acessíveis, mais baratos. De graça até. Raiva, ódio, mal estar, estes sim deveriam ser muito caros – são estes os sentimentos que deveríamos cobrar um preço alto para distribuí-los, e não espalhá-los abundantemente – pois através deles, perdemos duas vezes. Porque nos tiram do nosso caminho. Cegam-nos quanto ao nosso aprendizado. E o aprendizado, esse cobra a conta. Não por maldade, mas por necessidade. Porque se você não desata os nós que encontra nesta vida, seguirá amarrado nela e na outra, já pensou?

Então quando enfrentamos uma dificuldade, talvez devêssemos parar de nos perguntar “por que isso aconteceu comigo?” e começar a perguntar, “o que preciso aprender disso que aconteceu comigo?”. E isso não quer dizer voltar com o ex-namorado ou aceitar qualquer desgraça do mundo. Mas perdoar e assim, tornar-se livre.

Se “karma’s a bitch”, e você é o carma: cuide do carma. Mude o carma.

<3

* E se tiver dificuldade, aqui está a incrível carta de Antoine Leiris para inspiração:

Vocês não terão o meu ódio.

Na noite de sexta-feira vocês acabaram com a vida de um ser excepcional, o amor da minha vida, a mãe do meu filho, mas vocês não terão o meu ódio. Eu não sei quem são e não quero sabê-lo, são almas mortas. Se esse Deus pelo qual vocês matam cegamente nos fez à sua imagem, cada bala no corpo da minha mulher terá sido uma ferida no seu coração.

Por isso eu não vos darei a prenda de vos odiar. Vocês procuraram-no mas responder ao ódio com a cólera seria ceder à mesma ignorância que vos fez ser quem são. Querem que eu tenha medo, que olhe para os meus concidadãos com um olhar desconfiado, que eu sacrifique a minha liberdade pela segurança. Perderam. Continuamos a jogar da mesma maneira.

Eu vi-a esta manhã. Finalmente, depois de noites e dias de espera. Ela ainda estava tão bela como quando partiu na noite de sexta-feira, tão bela como quando me apaixonei perdidamente por ela há mais de doze anos. Claro que estou devastado pela dor, concedo-vos esta pequena vitória, mas será de curta duração. Eu sei que ela nos vai acompanhar a cada dia e que nos vamos reencontrar no países das almas livres a que nunca terão acesso.

Nós somos dois, eu e o meu filho, mas somos mais fortes do que todos os exércitos do mundo. Eu não tenho mais tempo a dar-vos, eu quero juntar-me a Melvil que acorda da sua sesta. Ele só tem 17 meses, vai comer como todos os dias, depois vamos brincar como fazemos todos os dias e durante toda a sua vida este rapaz vai fazer-vos a afronta de ser feliz e livre. Porque não, vocês nunca terão o seu ódio.”

Antoine Leiris

antonianodiva.com.br

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