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–  João, tô grávida. Você vai ser pai!
– COMO ASSIM EU VOU SER PAI?! Quem disse que o filho é meu?
– Claro João, eu só estou transando com você.
– E tu não tava tomando pílula?
– Tava, mas então eu esqueci, você não gosta de camisinha e aconteceu.
– Bom, você esqueceu a pílula, então de quem é a culpa?
– João o que tu queres que eu faça? Aborte esse filho?
– Você faria isso? Mataria um ser vivo indefeso?
– Poxa João, então quer dizer que você vai me ajudar a criar?
– Vai procurar os teus direitos, ué!

Essa podia ser a história da Antônia. Da Maria. Juliana. Carolina. Silvia. Beltrana. Assim como do João, do Flávio, do Henrique, do Alfredo, do fulano. Conversas assim acontecem no mundo inteiro, com enorme argumentação masculina e grande responsabilidade feminina. Afinal “vocês que carregam por nove meses na barriga” – e por muitos outros nos seios. Ter um útero sempre foi motivo para estar entre a cruz e a espada. A gravidez indesejada surge como um susto e argumentos como “mas você quem abriu as pernas” ou “fica dando pra qualquer um sem conhecer o cara” são amplamente espalhados como se justificassem a ausência de responsabilidade dos donos dos espermatozoides. Gente, não sei se é novidade pra alguns, mas neném se faz com 50% do envolvimento de duas partes. DUAS PARTES. Se eu ficar de pernas abertas, sozinha lá em casa, eu não vou engravidar – eu não sou virgem Maria, quiçá virgem. Assim como eu não sei tudo que pensam as pessoas com quem eu já transei. Você sabe? O pessoal que adora o Tinder também?

Uma pesquisa da universidade da Califórnia divulgada este mês informou que 99% das mulheres que realizaram abortos, procedimento que é legal no país, não se arrependeram e acreditam que tomaram a decisão certa. 99%.  A pesquisa tem como objetivo o acompanhamento dos casos a longo prazo e em profundidade, assim como serve de forte argumentação para contestar processos judiciais que tentam revogar a legalidade do procedimento em território americano, e garantir esse direito às mulheres que enfrentam o dilema da gravidez não planejada.  No Brasil, todo mundo sabe, o procedimento é legal apenas em casos de violência sexual, anencefalia ou os que ofereçam riscos à saúde da mãe. Em suma, a escolha não é da mulher, a escolha é do sistema. O resultado disso a gente também conhece – muito embora não goste de falar – são clínicas ilegais, incontáveis óbitos de mulheres, inúmeras complicações, cicatrizes no corpo e outras profundas na alma. A escolha pelo livre arbítrio é tudo menos livre. Tornamos-nos todas clandestinas.

Na paralela da polêmica social que é 5ª maior causa de morte de mulheres, o que mais se vê é uma pá de opiniões de gente que não tem útero, mas obviamente tem voz pra condenar e dedo pra apontar. Irônico, pra dizer o mínimo, já que o aborto masculino foi legalizado há muito tempo, a ponto de terem que fortalecer leis para garantir certa (mas nem por isso toda) responsabilidade envolvida na criação de um filho. Não estou dizendo aqui que homem não pode opinar sobre o aborto, claro que pode. Pode opinar também sobre adoção. Pensão familiar. Figura paterna presente. Aliás, tem uma série de temas envolvidos nas consequências de uma gravidez que eu adoraria saber o que pensa o sexo oposto, além do que devo ou não fazer com o meu útero.

E falando de responsabilidades, eis que há menos de 30 dias surgiu uma crowdfunding (a famosa vaquinha) também nos Estados Unidos ( Land of the Free) para pesquisar e desenvolver uma pílula anticoncepcional masculina. Olha que lindo! O Dr. Flynn e a universidade de Stanford estão dando aos homens a possibilidade e responsabilidade de controlar a reprodução de bebês! Infelizmente a campanha conta com apenas 10% das doações que precisa para o projeto. O que impede que a pílula esteja no mercado, é a famosa contradição de que esta é uma responsabilidade puramente feminina. Ou seja, não existe interesse do público, logo não há interesse da indústria farmacêutica, e sem dinheiro de doações ou investimentos não há progresso no desenvolvimento do anticonceptivo. Simples.

Neste caso é melhor investir em pílulas e outros métodos contraceptivos femininos cada vez mais eficazes, que não destruam nosso aparelho reprodutivo e não enlouqueçam os nossos hormônios em 20/30 anos de uso consecutivo. “Mas o homem já usa a camisinha”, ah obrigada! Lembrando que é preciso os dois pra ter uma saúde em boas condições. Inclua na sua análise também a questão financeira, onde um pacote de camisinha da marca líder custa menos de R$4,00, enquanto um anticoncepcional que não triplique o peso ou transforme mulheres em assassinas durante a TPM não custa menos de R$30,00 – e eu invisto nos dois! Aqui vale a pena usar uma calculadora na hora de contestar, combinado? Existe camisinha feminina. Com o lançamento (improvável) da pílula masculina, é só trocar para botar os fatos em perspectiva, não acha?

Feminista! Abortista! Anti-Cristo! Vadia! Joguem todas as pedras. Falar de sexo é ótimo. Acredite! Eu amo falar de sexo. Mais do que falar, eu amo fazer sexo. E ainda que mulher, eu também prefiro sem camisinha. Mas eu tenho que usar. Porque além das responsabilidades com o meu útero, eu tenho uma responsabilidade ainda maior com minha saúde, afinal: vagina, pênis e história todo mundo tem. Então eu vou lá, a cada preliminar, falar do assunto que é longe de ser sexy, e muitas vezes implorar para os menos geniais que eu preciso me proteger. Nós todos devemos! Então eu falo de camisinha. E falo de sexo. E falo dos riscos. Falo de aborto. Falo anticoncepcional. Falo de filho. E falo de responsabilidade. Entretanto além de falar, eu tomo ações. Eu tomo as minhas garantias e assumo minhas atitudes nos riscos que corro ou deixo de correr no processo. Mas e quem se deita comigo?  Tomaria uma pílula anticoncepcional masculina todos os dias? E se precisasse, iria a uma clinica de aborto clandestina? Tornaria-se um clandestino? Ou melhor ainda, um pai?

Questionar e julgar a decisão a alheia sem envolvimento é bem fácil. Assim como revirar os olhinhos na hora “H” é bem bom. A questão aqui é a tal da RESPONSABILIDADE – então toma que esse filho TAMBÉM é teu.

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