Aquele misto de ansiedade, suor na mão e indecisão surgem. No meu pensamento mais íntimo as palavras aparecem:
Será que devo? Será que realmente o óvulo foi fecundado por um espermatozoide afoito? Será que um novo bebê se forma em meu ventre?
Não, calma, Juliana, melhor não pirar com isso! Afinal, não é a hora, não estou pronta para isso, tem a faculdade, os planos do intercâmbio, o trabalho novo, o curso de inglês.
Bom, melhor eu ligar para ele e explicar que estava no período fértil, que não deveríamos ter abolido a camisinha e que GRANDE MERDA! Vou chorar! Ok, calma. Não é hora para desespero e você já tem 21 anos, então aja como uma mulher! Não como uma criança inconsequente.
Não, não vou ligar para ele, afinal sou à moda antiga, e é ele que deve me ligar no dia seguinte. Ok, melhor eu resolver isso sozinha, vou na farmácia, compro uma pílula do dia seguinte e acabo com isso.
Putz, que droga morar em uma cidade pequena. Conheço a farmacêutica, o marido e a filha que atende lá de vez em quando. Mas tudo bem, é um caso especial, é a primeira, posso dizer que fui lá só para experimentar a sensação de tomar uma pílula do dia seguinte e ninguém irá perceber e saber que transei loucamente sem preservativo na noite anterior.
QUE BURRA! Sério, como sou burra! Tansa! Aposto que o Marcos nem tá pensando nisso, e deve estar agora inclusive contando a vantagem de ter me ~pegado~ para os amigos dele. Aliás, por que fui transar com o Marcos? Justo com o Marcos!
Ele seria um péssimo pai para os meus filhos, ele tem carro rebaixado e gosta de funk, não é romântico, usa regata, tem um emprego meia boca, mas tem pegada. Ah, pelo menos tem pegada. Ok, respira fundo, mulher!
Minha mãe sempre me diz que quando não soubemos tomar uma decisão temos que respirar. Desse jeito vou gastar todo o O2 presente nos pulmões, ou o oxigênio da terra. Ju, não exagera, né? É uma situação simples. É só você atravessar duas quadras, chegar na farmácia e acabar com o seu “probleminha”.
Mas e algumas possíveis DSTs? Ai, que grande porcaria! Ainda tem tudo isso, terei que ligar para a minha ginecologista e assumir que sou incompetente, transei sem camisinha e fui relapsa. Maldito, vinho! Maldita, tequila! Maldito, Marcos!
Aliás, eu odeio o Marcos, nunca mais quero vê-lo, não quero mais saber desse idiota! Ok, de novo Ju, sem exageros!
Já estou saindo de casa, a rua está interminável. Enquanto caminho, meus pés parecem pesados, e a minha cabeça mais ainda. Pode ser a ressaca, pode ser o tal peso na consciência, pode ser o Marcos filho da puta que nem me ligou ainda e já são 11h, pode ser tudo.
Cheguei, entro na farmácia, a Dona Josi é dona do estabelecimento há no mínimo 30 anos, ela me conhece tanto que deve saber até a cor da calcinha que estou usando de tanto que me conhece. Dona Josi extremamente simpática sorri ao me ver, me olha e começamos a conversa:
Dona Josi: Bom dia, tudo bem, Ju? Como vai sua mãe?
Ju: Tudo bom, D. Josi, eu queria uma pílula do dia seguinte
Dona Josi: Como? Uma pílula do que?
Ju: Seguinte
Dona Josi: Sim?
Pronto, não é hora para amarelar! Puxo o fôlego dos meus pulmões e com uma cara totalmente envergonhada de quem foi inconsequente falo que preciso de uma pílula do dia seguinte.
Dona Josi: Ah, claro, uma pílula do dia seguinte, vou pegar.
Praticamente avisando todos os presentes na farmácia. Na minha cabeça toda a rua já sabia, meus amigos, o papa, meus pais. A sala ecoou. E possivelmente a Dona Josi irá contar para a minha mãe em algum momento, em um café da tarde ou na festa anos 80 do bairro.
Então, Dona Josi volta com a pílula e avisa em tom totalmente responsável como quem dá uma bronca em uma criança mimada:
D. Josi: Ju, toma cuidado. Não pode tomar sempre. Possui muitos hormônios, fala com a tua gineco.
Ju: Tudo bem.
E saí o mais rápido do local, me senti o próprio papa léguas fugindo do coiote. Na minha cabeça a D. Josi estava pensando: Nossa! Ela já transa! Até ontem era uma menina! Afinal, toda tia pensa isso, espero que meu pai não pense isso, afinal sou a princesinha dele.
Cheguei em casa e nem li a bula. Peguei uma água e tomei o comprimidinho. Foi, ufa! Não terei um filho do Marcos! Agora entendo porque chama-se contraceptivo de emergência.
Enquanto isso, o Marcos ainda não me ligou. E eu aqui esperando que a gente se encontre essa noite. É, talvez ele seja um cara legal.
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